Atraso de vida
por migalhas, em 02.11.04
Alguém me explica qual o fundamento racional que está por trás do atraso da hora? Se já de si o Inverno poucas características apresenta que o tornem minimamente atraente aos olhos da grande maioria dos mortais, para quê torná-lo ainda menos apetecível ao roubar-lhe uma hora que depois se traduz num anoitecer prematuro, que chega mesmo - no auge da estação - a rondar as 16h00. Isto já para não falar nos brutais acréscimos nos consumos de electricidade, pois a partir das três, três e meia da tarde, já nada se consegue ver sem as luzes acesas. Uma época que, por natureza, é já de si deprimente - muito por culpa dos tons cinza com que se veste - teria todo o interesse em manter a pouca luz com que nos brinda até mais tarde. Mas não. De manhã cinzento, à tarde cinzentão e depois à noite, escuro como breu. E se as pessoas já sentem receio em andar pelas ruas devido à manifesta falta de segurança que nelas se vive, então com esta inteligente operação de atraso da hora serão ainda em menor número aquelas que se irão aventurar a sair de casa a partir das quatro, quatro e meia da tarde. E com toda a razão, diga-se. Porque raio não definem uma hora para toda a Europa e mantêm-na inalterável, seja Verão ou seja Inverno? Já para não falar da "seca" que é de x em x meses ter de estar a acertar todos os relógios que temos em casa. Pensa-se em tanta coisa e neste particular, que pode não parecer mas é de tanta utilidade, ninguém se dá ao trabalho de propor uma situação definitiva? Já alguém se lembrou que as crianças que saem da escola às cinco da tarde, o fazem já debaixo de uma escassez de luz pouco recomendada? E isto ainda é só o prólogo de uma estação que se prolongará sempre em crescendo até que de novo as andorinhas regressem para nos avisar que, em breve, teremos uma vez mais de acertar os ponteiros dos relógios, dessa vez dando-lhes uma volta inteira para a frente. Em pleno século XXI, isto parece-me tudo menos uma solução de gente evoluída. Por favor, senhores decisores. Tirem lá um tempinho às imensas responsabilidades que têm entre mãos e decidam de uma vez por todas se adiantamos ou atrasamos a hora. Pelo que sei, pelo que vejo, a vida avança, não recua. Por isso, estar a tirar-lhe sessenta minutos uma vez por ano, parece-me ser, claramente, um atraso de vida.