Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

facebook

O momento certo

por migalhas, em 26.11.04
Enquanto se deslocava rapidamente num voo elegante e rasante às calmas águas daquele extenso lago, o peixe alado fitava o horizonte. Sabia que para lá daquela linha fictícia repousava a resposta que ele tanto procurava. Sabia-o com a mesma certeza que uma mãe sabe que jamais se libertará do filho que gerou, com a mesma certeza de que é a morte que remata cada vida. E embora já por muitas outras vezes tivesse tido a oportunidade de fazê-lo, nunca o concretizara realmente. De todas elas algo lhe invalidara o ensejo. O desejo era grande, a vontade suprema, mas sentia que, no último instante, algo o demovia das suas intenções. Por isso, nunca o conseguira antes. Bater asas e levantar voo sem receio do que pudesse vir a encontrar para além daquela linha que se desenhava lá longe e que delimitava claramente o mar profundo do céu imenso, fora um passo a que só agora dera forma. Não queria partir sem antes saber o que o trouxera. Qual o propósito de, sendo um peixe, poder bater asas e voar. Teria sido ele um ser especial? Dotado de características que só aos eleitos são permitidas? Tinha de sabê-lo, agora que se preparava para a partida final, aquela que o haveria de levar a uma outra dimensão. Por isso batia as asas com o mesmo vigor com que se solta um último fôlego antes de abraçar a luz. Não desfaleceria sem antes saber ao que viera. Porque viera. E porque viera assim, diferente dos demais que conhecera da sua espécie. Sempre ouvira dizer que se lhe fosse permitido voar, então deveria ter sido pássaro. Em contrapartida, se era para viver debaixo de água, sob a pressão do extenso oceano, então deveria ter sido peixe. E ele? Ele que se adaptava a ambos os meios ambientes, por mais antagónicos que fossem? Seria ele um peixe? Um pássaro? Um peixe pássaro ou um pássaro peixe? A ansiedade de querer saber fazia-o acelerar a sua corrida que agora era também uma corrida contra o tempo. O pouco tempo que ele sabia esperá-lo. Sentia-o e sabia-se a partir aos poucos, a cada novo bater de asas que o levava um pouco mais longe. Na esperança de descobrir a resposta à pergunta que insistentemente o perseguia desde os primeiros segundos da sua vida, cerrou os olhos e sonhou. Em má hora o fez. Pois um pinheiro mais alto e curiosamente localizado na sua rota de colisão, proporcionou um estrondoso embate que lhe valeu uma visão idílica, decorada com estrelas, cometas, planetas e outras manifestações próprias de quem acaba de colidir violentamente com um tronco que, inadvertidamente e por escassos momentos, se interpôs no caminho. Travado o seu ímpeto, o seu avanço, rodopiou, vacilou e protagonizou uma queda de uma altura bastante considerável, que só terminou no momento em que se entranhou nas águas profundas e gélidas do lago. Terá mesmo perdido os sentidos que logo recuperou ao tocar o manto frio que o aguardava alguns metros abaixo. Ao contrário de um pássaro, que seguramente se teria afogado em poucos segundos, nadou ágil por entre a corrente, logo retomando o rumo a que se propusera. Ainda mal refeito do que lhe acontecera, foi no entanto acometido de uma outra visão. Esta menos dolorosa e em forma de esclarecimento. Sem querer, tinha descoberto a razão, a resposta que há tanto tempo procurava. Porque sendo peixe, voava e porque sendo pássaro, nadava. Acabara de ser salvo exactamente devido a essas suas características insólitas. Se não as possuísse, ter-se-ia finado com toda a certeza. Mas não. Fora salvo e agora sabia porque nascera assim. Finalmente fizera-se luz na sua mente. Um dia – que fora este – ser-lhe-iam úteis as características de que era único possuidor. Tão úteis, que iriam ao ponto de lhe poupar a própria vida. E descobrira-o apenas no momento em que tinha de ser. No momento que estava marcado no seu mapa da vida. E não noutro qualquer ou quando ele quisesse, por muito que quisesse. Aliás, como tudo aquilo que procuramos em vida. Por muito que procuremos ou queiramos descortinar, não adianta forçar. Pois as coisas têm um tempo para acontecer e só no momento próprio se tornarão realidade. Para tudo há um momento na vida. Talvez por isso a vida seja, tão só, um acumular de muitos e diversificados momentos.

Está tudo no olhar

por migalhas, em 24.11.04
Espanta-me olhar e nada ver
Mas mais me espanta ver que nada há para olhar.
Observo apenas, vislumbrando que, à vista desarmada, nada se avista.
E nem sequer é da distância, pois essa está cada dia mais próxima.
Talvez seja do ângulo de visão, mas depressa reparo que tudo se deve a um golpe, não do destino, mas tão só de vista.
Num abrir e fechar de olhos, à mesma velocidade com que o diabo esfrega um olho, retomo o olhar fixo naquele horizonte frio e distante.
Em fundo toca uma velha melodia que diz qualquer coisa como: só tenho olhos para ti…
Choca-me a imagem que faço mentalmente do apaixonado oferecendo à sua amada uma mão cheia de olhinhos, ainda frescos, acabados de colher de umas quantas carinhas larocas que, agora, deixaram de o ser.
Revejo o papel que me foi destinado e canso a vista com o tamanho diminuto das letrinhas com que escreveram o texto. Resolvo improvisar…
Agora sim, não vejo um boi. Nem uma vaca, o que é salutar, atendendo à sua loucura. Já não se fala disso, mas com certeza continuam malucas, depois de todos estes anos.
Olho para um lado e para o outro, confirmo a ausência de veículos nas proximidades e atravesso na passadeira. Espero chegar ao outro lado. Se o conseguir, prometo enviar um postal. Só a dizer se estou bem ou se fiquei mal… pois nunca se sabe o que nos espera do lado de lá. Ainda assim arrisco e resolvo-me a dar um passeio no lado selvagem. Quem não arrisca, não petisca e o meu mal é fome mesmo, por isso… venham mais cinco! Agora tenho de ir. Eu sei que vos custa a todos, mas existem prioridades e necessidades são necessidades. Pelo que, as primeiras coisas, primeiro. Vou ali já venho, tá melhor assim? Vai lá vai, dizem vocês. E vou e vou. Mas deixo um recado: Não se deitem sem antes lavarem os dentes. Os patrões da Colgate e da Pepsodent agradecem. E se não querem que os bichos grandes vos mordam, não se esqueçam de deitar um olho por baixo das vossas camas, antes de as ocuparem por mais umas horinhas, ok?
Uma última olhadela à minha volta e volto a olhar o vazio.
Está aí alguém?…
Nã, já devem ter saído todos.

Sorte grande!

por migalhas, em 19.11.04
Ouvi dizer que o prémio em jogo - acumulado de três semanas, diga-se - relativo à mais recente perdição do povo europeu, o Toto Milhões, ascende esta semana a 32 milhões de euros. Qualquer coisa como 6 milhões e quatrocentos mil contos da nossa moeda antiga. Perante este cenário quase que de oásis em pleno deserto, é de prever uma louca e desenfreada corrida aos quiosques e papelarias onde o mesmo pode ser registado, na esperança de que caia qualquer coisita. Este será seguramente o segundo passo, após o que eu considero ser o mais importante que é, tão só, o de escolher os algarismos e as respectivas letrinhas que coincidirão precisamente com aquelas que forem tiradas da tômbola amanhã, Sábado. Porque se nesta fase não optarmos pela combinação vencedora, então chapéu. Nada feito. E uma vez mais vamos ouvir falar de um sortudo qualquer que, algures em parte incerta nessa enorme Europa, logo foi escolher a sequência contemplada. Por isso, toca a concentrar hoje, sexta-feira, e deixar de lado tudo o resto, pois em causa pode estar a independência de um de nós. Eu aconselhava mesmo a tirarem o dia e a dedicarem-se exclusivamente ao estudo das possíveis combinações que possam gerar resultados. Depois, feita essa análise, aconselho a que assaltem uma dependência bancária - mas uma onde haja grande circulação de valores - para que assim consigam um fundo capaz de vos permitir registar a quantidade de boletins aconselhados para quem quiser acertar pela certa. Feito isto - e não se deixando influenciar pelas críticas azedas de quem na fila aguarda pacientemente pela sua vez de apostar - vá à igreja mais perto de sua casa, ou que fique em caminho, e reze. Reze muito e com muita força e prometa mesmo uma peregrinação ao santuário de Fátima, caso os deuses resolvam estar do seu lado na hora do escrutínio. Depois vá para casa, descanse e não pense mais no assunto. Faça a sua vida de forma completamente normal e aguarde pelo dia de Sábado, o grande dia. Faça tudo aquilo que desejar até à hora do sorteio, principalmente aquelas coisas que nunca mais irá repetir depois de lhe saírem os 32 milhões de euros do prémio. Como comer os restos da pizza do dia anterior, lavar a pilha de loiça que se acumularam durante toda a semana, arrastar o saco do lixo até à rua e depositá-lo ao lado do caixote cheio, assistir à novela num televisor com ecrã mínimo, deitar-se na sua cama estreita e tapar-se com aqueles lençóis já muito puídos e ouvir - até conseguir adormecer - o ronco insuportável do seu companheiro(a), inchado(a) pelo excessivo consumo de "junk food", a única que o seu miserável ordenado consegue pagar. Na manhã de Sábado acorde com um sorriso nos lábios, vista-se com aqueles trapinhos velhos e saia para a rua onde deve ir visitar as lojas de roupa e de todos os artigos que pode ir começando a escolher para dar início à grande transformação que a sua vida irá sofrer mais lá para o fim do dia. Pode mesmo fazer uso do seu cartão de crédito para ir adiantando algumas compras e aproveite para almoçar no Tavares Rico, ou em qualquer outro restaurante caro da nossa praça, pois vai ter de começar a habituar-se à ideia de que esses vão passar a ser os seus locais de eleição a partir do momento em que confirmar a sua sorte. O resto do dia passeie e observe a vivenda ou o apartamento para onde se irá mudar, o carro que vai desejar adquirir ou mesmo o borracho(a) que vai engatar logo após receber os euros do prémio. Chegada a hora do sorteio, sente-se em frente ao velho televisor e faça figas. Ouça os números um por um, as letrinhas e... não desespere. Se não for desta, outros prémios acumulados existirão - afinal este concurso ainda é recente -, outros Sábados de esperança se seguirão e muitas outras hipóteses de ficar rico(a) lhe baterão à porta. É claro que vai ter de pensar no que dizer quando lhe baterem igualmente à porta os fiscais que lhe irão querer cobrar os gastos feitos num determinado Sábado e que nunca chegaram a ser pagos por falta de fundos, mas nisso pensará a seu devido tempo. Até lá, goze o momento e a esperança de poder imaginar que é desta que vai fazer inveja aos seus vizinhos ranhosos. Que na segunda-feira não terá de voltar a sentar-se àquela secretária e atender atrás de um balcão milhentas pessoas maldispostas e furiosas, que descarregam em si a ira de não terem sido eles os felizes contemplados com o magnífico prémio que lhes fugiu por entre os dedos na véspera.

PS: Por lapso, só depois de publicado este post me apercebi de que o sorteio do Euro Milhões é à sexta-feira e não ao Sábado, como por erro referi. Pelo facto peço que antecipem as vossas apostas, se querem que o fim-de-semana seja bem mais rico!

Natal de S. Martinho?

por migalhas, em 16.11.04
Será que este ano o São Martinho fica para o Natal? Isso poderia querer dizer que passaríamos a ter, para além do já usual Verão, também o Natal de São Martinho? Tinha a sua piada fazer como os nossos irmãos brasileiros e passarmos a comemorar esta data na praia, de calções e com muito sol para nos aquecer numa quadra que teima em ser de frio e chuva persistente. Se, de qualquer maneira, já não temos neve - o que desde logo invalida um Natal genuíno e condizente com aquele que vemos nos filmes - então porque não prescindir igualmente dos restantes elementos - chuva e frio - e adoptar o calor como novo símbolo desta época? T-shirt, calções e chinelos de enfiar no dedo, são adereços que parecem não "colar" em definitivo com o Natal. Adereços que dificilmente conseguirão rivalizar com os típicos cachecol, luvas e gorro. E, a aliar a tudo isto, será que manteria o Natal o seu espírito, o seu conceito, desde sempre ligado aos dias de maior frio e de inúmeros agasalhos? Talvez, não fosse o homem um animal de hábitos. Ainda assim, e falo por mim, prefiro cruzar as duas hipóteses. Frio, sim muito frio, mas com sol, muito sol. Este sim é o cenário que mais me agrada para a época natalícia. Vou agora propor esta situação aos velhotes São Pedro e São Martinho e só espero que consigamos chegar rapidamente a um consenso. Até porque o Natal está aí à porta.

Dias não são dias

por migalhas, em 15.11.04
Hoje é aquele dia da semana que quase toda a gente parece odiar. Segunda-feira. Depois de dois dias de descanso e dedicados apenas a matérias do nosso exclusivo interesse, chegar às sete e meia da manhã de segunda-feira é coisa para dar com qualquer um em doido! Ele é o trânsito que se depara como uma barreira logo a dois passos da nossa porta, é o aturar os colegas mal dispostos no local de trabalho, são as lamúrias e as queixas que parecem escolher o início da semana - vá-se lá saber porquê - para se fazerem notadas, enfim, é todo um conjunto de factores que fazem deste dia o mais indesejado e temido por quantos o têm de viver. Porque às vezes é o que parece, que há dias que se assemelham mais a um "frete" que temos de suportar, quando deveriam ser 24 horas desfrutadas ao segundo e ao limite, tal e qual um bónus que nos é dado. Porque ninguém nos diz a nós - que constantemente tomamos a vida como garantida - que o tempo que hoje nos damos ao luxo de desperdiçar não nos venha a fazer falta no futuro. Face a esta visão corriqueira sobre a maior e mais valiosa das dádivas que possuímos, proponho uma outra perspectiva sobre a tão odiada segunda-feira. E quem diz segunda-feira, diz qualquer outro dia que mais pareça um fardo que temos de carregar. Na perspectiva da malta mais nova - supostamente a mais afectada e queixosa pela dura semana de trabalho e que teima em querer viver à frente do seu tempo - é enorme a vontade de passar em acelerado por cima desses cinco dias de sacrifício, para depressa chegar ao Sábado e ao Domingo. Mas isso é hoje, que são jovens. Pois à medida que as suas idades forem avançando, começarão a dar outro valor à vida que, então, parecerá querer fugir-lhes por entre os dedos sem qualquer possibilidade de controle. E só nessa altura irão aperceber-se de que a vida são todos os dias, quer sejam segundas-feiras, quer não. E então aí, tarde de mais, ou talvez não, irão sentir saudade do tempo em que que tinham todos os dias pela frente, dias esses que, pura e simplesmente, desprezaram e quiseram que passassem num abrir e fechar de olhos. Só porque eram dias em que tinham de trabalhar, dias em que tinham de fazer algo que não queriam ou porque, simplesmente, eram dias em que se deixavam abater por uma simples e ligeira contrariedade. Porque não quiseram ver então que todos os dias tem a sua beleza, o seu valor, sejam eles de sol ou de chuva. Porque se esqueceram então que existem n motivos de interesse em cada dia, mesmo que seja um dia de trabalho duro e intenso de manhã cedo até à noite. Porque os dias são como as pessoas, todos têm potencialidades. Basta saber e querer procurá-las. Porquê ver apenas o lado negativo das coisas? Se é que existe algum lado negativo. Será que essa visão pessimista não é apenas fruto de um estado permanente de insatisfação com a vida que quase nos afecta a todos? Que tal experimentar viver a vida todos os dias e deles tirar o melhor partido? Ver o seu "bright side", como diziam os célebres "Monty Python", para que mais tarde não nos arrependamos de ter passado ao lado da nossa vida, vivida apenas na pressa de que chegasse o dia de amanhã. Neste momento é o presente que conta e é nele que nos devemos empenhar. Para que o futuro seja um álbum de recordações e não um lamentar de tempo desperdiçado.

Daqui onde estou tenho vista

por migalhas, em 12.11.04
Hoje e durante os próximos quinze dias, irei ocupar uma secretária cuja vista é digna de nota. Situado num primeiro andar de uma vivenda na zona de Belém, o escritório onde estarei a laborar - ou melhor, a bolar ideias capazes de vender marcas e produtos - nas duas semanas que se avizinham, possui uma soberba vista para o rio Tejo, para uma das pontes que o atravessa (a velhinha 25 de Abril) e para o Cristo Rei, que não se cansa de saudar quem por ele passa. É reconfortante olhar e assistir ao curso rápido e decidido das águas do Tejo, que mostram ainda maior esplendor quando banhadas pelo sol que, ultimamente, tem marcado presença assídua nos nossos dias. É uma imagem digna de um quadro, de uma pintura que transmite a mesma calma com que parece ter sido criada. Basta-me erguer a cabeça, levantar os olhos do teclado e num instante ela ali está. É importante ter-se vista de onde se trabalha, mais ainda se ela for agradável... à vista! É mais motivante, mais relaxante e ajuda a desanuviar a cabeça em momentos de maior pressão. Para mim, que tenho de ter todos os dias ideias diferentes e originais para produtos e serviços também eles sempre diferentes e inovadores, é de todo útil poder beneficiar desta excelente e privilegiada paisagem. A luz natural entra em abundância pelas enormes vidraças, os lugares para estacionar o carro existem com fartura e ausentes de qualquer pagamento, a proximidade dos magníficos e tentadores pastéis de Belém é assustadora, enfim, tudo se conjuga para uns agradáveis, e seguramente bem passados, dias de trabalho. Que bom seria se todos pudessem exercer as suas actividades diárias em condições semelhantes ou, pelo menos, que fossem do seu agrado. Seguramente se produziria muito mais e com uma outra disposição. Trabalhar deixaria de ser um "frete", um sacrifício, para passar a ser um prazer diário a que todos gostariam de se sujeitar. Para tal houvesse empregos que respondessem às solicitações de quantos querem sentir-se úteis.

Verdadeiro espectáculo!

por migalhas, em 10.11.04
Assisti ontem àquele que considero ter sido o melhor espectáculo que já me foi dado a presenciar até à data. O verdadeiro espectáculo de luz e cor de que tantas vezes se ouve falar, mas a que se juntou um som de uma excelência difícil de igualar e uma actuação apenas ao alcance dos melhores. Estou a falar do concerto dado pelo agrupamento germânico Rammstein, uma banda que tem vindo a afirmar-se no panorama musical mundial por via da sua original sonoridade e que ontem não deixou por mãos alheias os créditos que os tornaram famosos em actuações ao vivo. Com um Pavilhão Atlântico a rebentar pelas costuras e uma primeira parte cheia de vitalidade, a cargo de um outro grupo que até então desconhecia mas que se mostrou à altura dos acontecimentos - Exilia de seu nome -, estava criado o ambiente para o que ainda haveria de vir. Com uma entrada ao som do tema "Reise, Reise", título que dá igualmente nome ao seu mais recente trabalho, e uma literal queda do pano de fundo - que revelou o porquê da estranha e até então notória ausência de todo o equipamento de que sempre se reveste um palco pronto a ser tomado de assalto por uma banda de rock -, os Rammstein colocaram de imediato a seus pés as centenas de fãs que os aguardava com vibrante expectativa. O que se seguiu foi do melhor que se poderia esperar. Um complexo, colorido e mutável jogo de luzes seguia de perto todo o elaborado aspecto cénico que os elementos colocam nas suas actuações, a que não faltaram os elementos pirotécnicos que tanta fama lhes tem granjeado ao longo dos anos. Com um som límpido e cristalino, onde cada instrumento era perfeitamente audível, uma audiência sincronizada e afinada, quer com as letras - incrível, se pensarmos que cantam exclusivamente em alemão -, quer com cada um dos temas e um profissionalismo sem mácula tipicamente "made in Germany", os Rammstein viram-se obrigados a dois "encores" e a muito suor que, sabiam da sua anterior passagem por Portugal, teriam de deixar em palco de forma a satisfazerem este que continua a ser um dos melhores e mais exigentes públicos do mundo. Os temas - na sua maioria bem conhecidos de quem ali se deslocou na noite de ontem - desfilaram a um ritmo frenético e sem a habitual intimidade que é costume algumas bandas encetarem com o público. Nada de conversas ou diálogos - postura fria e distante, típica do povo alemão - num espectáculo onde ninguém deu por mal empregue o seu tempo ou dinheiro. Em resumo, foi uma noite digna de registo e sorte a daqueles que tiveram a felicidade de assistir a mais uma passagem dos Rammstein pelo nosso país. Visitem-nos eles mais vezes e seguramente encontrarão a mesma disposição e o mesmo entusiasmo que ontem visivelmente transbordava do Pavilhão Atlântico, no Parque das Nações. Long live rock'n'roll!

Vai uma bica?

por migalhas, em 10.11.04
Se existe bebida que grande percentagem da população ocidental hoje em dia não dispensa, ela é o café. Mesmo não detendo o título de bebida mais antiga da humanidade - pertença do chá, que é claramente preferido pelo Oriente - o café possui já um historial digno de nota. Mas saberão os seus devotos consumidores qual a origem deste excitante natural dos tempos modernos? Originário da Arábia, o café deu entrada no Ocidente em meados do século XVII e desde então se tem imposto como uma das mais requisitadas bebidas de que há memória, granjeando por todo o lado numerosas fileiras de fiéis adeptos. De tal forma, e com tal convicção, muitos desses adeptos se rendem aos seus encantos, que atingem mesmo um grau de dependência por vezes difícil de explicar. Veja-se o caso dos povos nórdicos - nomeadamente os finlandeses - que, quem sabe para combaterem as baixas temperaturas que são quase uma constante nas suas vidas, se atiram ao café como cão ao bofe. Segundo as estimativas, bebem cerca de 13 quilos de café por ano e por habitante, o que traduzido em doses diárias dá qualquer coisa como cinco chávenas de café por dia! Mas, e felizmente para eles, dizem os entendidos que o café que consomem de forma quase desalmada é fraco e desconsolado. O mesmo se passa aqui ao lado, na nossa vizinha Espanha, que, em matéria de café propriamente dito, fica igualmente aquém das nossas melhores expectativas. Quem não se desiludiu já com a suspeita mistura de café com leite com que respondem ao nosso pedido pós-repasto? E cuidado se forem à Turquia. Não é que tenha a ver com a qualidade do café que por lá se bebe, mas antes com as indesejáveis borras no fundo da chávena, resultado da fervura de que é alvo durante o seu processo de preparação. Algo que, para os mais incautos, pode revelar-se uma desagradável surpresa! Donde se conclui que, deste lado da Europa, são claramente as variantes mais afamadas aquelas que maior consenso reúnem. Do suave capuccino - coberto por uma nuvem de leite e chocolate em pó - ao elegante café vienense - a que sempre se adiciona uma pequena dose de chantilly -, passando pelos clássicos irish coffee - nas proporções de 2/3 de café para 1/3 de whiskey, acrescentados de natas espessas e açúcar mascavado - ou o chamado "café com cheirinho" - de aroma e paladar alcoólicos resultantes da adição de aguardente - todos encontram adeptos que lhes veneram a existência. Tido em tempos como estimulante de conversas mundanas ou literárias, hoje fica-se mais pelas primeiras, servindo igualmente o propósito de manter despertos muitos daqueles que dele dependem para prolongar as suas horas de expediente ou de estudo, numa luta renhida contra o cansaço e o sono que naturalmente os afecta. Seja como for, goste-se mais ou goste-se menos, raros são os que prescindem do aroma único e das características tão próprias que só o café pode proporcionar. Bebido com moderação e quando realmente apetece, pode ser um prazer que dificilmente encontra rival à altura. Quem sabe, conhece bem do que falo. Vai uma bica?

A dança do tempo

por migalhas, em 08.11.04
Ainda agora começou o mês de Novembro e já se fazem sentir um pouco por todo o lado as decorações e iluminações alusivas ao Natal. A pouco mais de dois meses da celebração, e atendendo a que esta é uma época que pode contribuir seriamente para o equilíbrio de algum comércio e certamente de muitos negócios, parece-me de todo aceitável que façam por usufruir de todo o simbolismo desta data o máximo de tempo possível. Mas não foi este aproveitamento comercial de mais uma data marcante do nosso calendário que me levou a escrever este post. O que me soou estranho e desde logo chamou a minha atenção, foi o factor tempo. Não o tempo que faz, meteorologicamente falando, mas o tempo que insiste em passar por nós apressado. Ao olhar essas mesmas decorações, dei comigo a pensar “mas ainda há pouco tempo foi Natal”! É verdade. Parece que ainda foi ontem que andei a fazer todas aquelas compras para a família, para os amigos, para todos aqueles que nesta época devem ser alvo de, mais que não seja, uma pequena lembrança. Feitas as contas, já lá vão quase doze meses desde então, o mesmo é dizer, que passou mais um ano nas nossas vidas. E pergunto eu: demos por isso? Tivemos nós alguma vez consciência de que os dias passaram a esta velocidade? Que as horas, os minutos, os segundos, seguiram ao seu ritmo sem sequer nos consultar? Por alguma razão se diz que o tempo voa. Deixo-vos com este pensamento, perguntando se, perante este cenário, não valerá a pena ponderar melhor as nossas prioridades, viver a nossa vida um dia de cada vez e perceber que cada dia que passa é uma dádiva que nos é oferecida para que a desfrutemos em pleno. Lembram-se do filme “O clube dos poetas mortos”? Pois então, Carpe Diem. Ou seja, desfrutem o dia. Todos os dias. Cada dia. Como se fosse o último.

“A cada dia que passa
Há uma vida que nos escapa
A cada hora que passa
Há uma nova ansiedade que nos devora
A cada minuto que passa
Há mais uma criança que chora

Voou um minuto, outra hora soou, mais um dia passou
Sinto-me definhar ao ver o tempo passar
Sinto-me partir, em breve serão horas deste mundo largar
Sei que em breve irei desaparecer
Para num novo ser voltar a crescer

Sucedem-se as vidas
Uns chegam, outros vão
É a roda viva de um mundo em permanente ebulição

Pudéssemos nós escrever o futuro
Saber à partida o que nos espera a chegada
Cresceríamos melhor, daríamos outro destino
A esta morte mais do que anunciada?

Não nos compete a nós
Não está na nossa mão
Mas se calhar é melhor assim
Pois quem nos guia é a fraqueza da emoção”.

O poder da crítica

por migalhas, em 04.11.04
Ouvido ainda com mais atenção, e repetidas vezes, o tema que, no artigo anterior a este, salientei dos Become Not, "Unhappy ending movie", fiquei com a nítida sensação de que realmente não existem limites para a criação. Diria mesmo que fui acometido de um súbito sentimento de inveja - no bom sentido, claro - por não ter sido o autor da obra em questão. O que nos faz pensar na quantidade imensurável de belas peças que estarão ainda guardadas nas cabeças de quantos se dedicam de corpo e alma aos mais diversos ramos das artes. Sem dúvida alguma posso afirmar estar perante o que considero ser um dos mais fortes candidatos a tema do ano. E se alguém achar exagerado o que acabo de dizer, que faça uma audição atenta ao mesmo e me diga depois, olhos nos olhos, que ficou indiferente ao que acabou de ouvir. Parece até que estou aqui a fazer um favor aos "pais da criança" ao dizer isto. Mas não é sinceridade e isenção que se espera de cada vez que se coloca qualquer trabalho à apreciação de outrem? Pois então. Justiça seja feita e dita, sem quaisquer favores ou simpatias falsas que facilmente poderiam induzir em erro, deitando por terra toda a esperança que cada criativo coloca no seu trabalho. Fossem sempre honestas e desprovidas de qualquer carácter tendencioso as críticas que são feitas a vários níveis (veja-se a disparidade das críticas que são feitas aos filmes, aos novos lançamentos musicais, às novas obras literárias e por aí fora) e poder-se-ia confiar minimamente nos "especialistas" da nossa praça que, sob a alçada de critérios duvidosos, dizem de sua justiça, pouco se importando com as possíveis consequências dos seus pareceres. Muitos deles chegam mesmo a tentar remediar o mal que já fizeram, e de que têm consciência clara, editando livros, discos ou o que quer que seja, que lhes permita sustentar a tal "autoridade" numa matéria de que, assim, até já possuem obra feita e tudo. Conclusão? Pior a emenda que o soneto. Pois que, na maioria das vezes, essas tentativas apressadas de redenção não só roçam o patético, como vêm ainda sublinhar o ridículo de uma situação que, a meu ver, deveria ser alvo de uma reflexão bem mais profunda. Dizer que não gosto é muito diferente de dizer que não é bom. O eterno problema do gosto pessoal e da sua marcada interferência em qualquer apreciação feita fora de contexto. E porque este é um obstáculo sempre difícil de contornar, melhor seria que cada macaco se colocasse no respectivo galho de forma a gerar a tal honestidade que sempre deveria presidir a cada análise. Colocar um DJ da onda Techno a fazer uma apreciação ao último CD dos Iron Maiden, um intelectual assumido a criticar o último livro da Margarida Rebelo Pinto ou um apaixonado das obras de Frank Capra ou Orson Welles a analisar algumas das mais recentes produções hollywoodescas, está bem de ver no que vai dar. Não quero com isto dizer que as obras em causa sejam desprovidas de qualquer qualidade, não senhor. O que estamos é perante "avaliadores" que claramente estão fora do meio que conhecem e que apreciam, o que imediatamente lhes tolda qualquer possível análise isenta do seu gosto pessoal. Por tudo isto se requer cada vez mais honestidade na avaliação do trabalho alheio, mais que não seja porque há que respeitar todo o esforço empreendido por quem cria algo que, com maior ou menor qualidade, apenas aguarda por uma análise sincera e isenta à sua obra. Quem sabe para saber se será por ali que deve ou não seguir o seu caminho.

Pág. 1/2