Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

facebook

Finalmente é Agosto!

por migalhas, em 02.08.04
Finalmente é Agosto! Ainda me lembro de quando esta era uma expressão que correspondia a um alívio real para quem estoicamente optava por ficar. Poderei mesmo dizer, que ainda sou do tempo em que, com a chegada do mês de Agosto, chegava igualmente um visível desanuviamento do tráfego automóvel no interior da cidade e nas vias que lhe davam acesso, bem como uma maior facilidade em conseguir estacionamento. O êxodo quase geral que noutras épocas se fazia sentir, e que transformava Lisboa numa verdadeira cidade fantasma, faziam suspirar de alívio toda aquela “posta restante” que via este como o período ideal para sossegadamente ficar a trabalhar. Mas esses tempos já lá vão. Assim como acabaram as vacas gordas, também de à uns anos a esta parte é mínima a diferença sentida do mês de Agosto para os restantes meses do ano. O trânsito sofre ligeiras melhorias, é verdade, a circulação automóvel idem, mas nada de verdadeiramente significativo. O número de pessoas é que, decididamente, parece não sofrer decréscimo algum nos dias que correm. E não é por as pessoas deixarem de tirar férias em Agosto. O problema está em que aqueles milhares que antes “migravam” em massa durante 30 dias para o sul de Portugal, hoje permanecem relativamente perto da sua área de residência de todo o ano. Frequentam as praias, os bares, as estradas, mas as mesmas que todos os outros que ficaram a trabalhar também frequentam. E como se tudo isso não bastasse, ainda temos de contabilizar as enxurradas de estrangeiros que por aqui aterram aos “molhos”, vindos um pouco de toda a Europa. Isso e o mercúrio dos termómetros. Que, para se juntar à festa, sobe descontroladamente, tornando ainda mais insuportável todo este índice populacional completamente despropositado e que teima em apoderar-se da nossa capital de ano para ano por esta altura. Ai que saudades daqueles bons velhos tempos! De quando o Verão era sinónimo de sol todos os dias, a chuva fazia a sua aparição a partir de meados do Outono e prolongava-se até fins do Inverno e a Primavera dava os primeiros indicadores de que estava para breve o tempo quente. Hoje já não tenho tanto a certeza de que São Pedro seja a pessoa indicada para estar aos comandos das condições meteorológicas. A idade já lhe deve pesar e não raras são as vezes em que troca os botões e desata a deitar chuva no Verão e calor no Inverno. Mas também que piada é que tinha ter tudo assim, devidamente garantido e padronizado? Não é mais engraçado agora? Sair de casa às nove horas de uma qualquer manhã de Agosto e ser duplamente surpreendido? Primeiro, pelo cinzento das nuvens que cobrem quase por completo um céu que deveria estar azul brilhante e, segundo, porque deparamos com um mar de veículos que não andam para lado nenhum, quando aquela estrada devia estar totalmente desimpedida. Sendo assim, o que é que me resta? Senão permanecer sentado ao volante a tentar controlar os nervos e a imaginar a cara do patrão, pouco convencido de que cheguei outra vez atrasado por culpa de um engarrafamento. Em Agosto? Ele vai lá acreditar.

Um outro campeonato

por migalhas, em 02.08.04
Decorreu durante a passada semana - em Gotemburgo, na Suécia - o segundo campeonato do mundo de futebol dos sem-abrigo, também denominado de futebol de rua. Organizado pela Rede Internacional dos Jornais de Rua - instituição com mais de 50 membros de 32 países, entre os quais Portugal, representado pela revista “Cais” – contou com a participação de 28 selecções, mais 10 do que na primeira edição da prova. Iniciativa louvável, esta reúne as selecções dos sem-abrigo dos diversos países mundiais, proporcionando um torneio à imagem daquele que, de 4 em 4 anos, a UEFA leva a cabo, este com uma ligeira variante. Pois destina-se a atletas profissionais pagos a peso d'ouro e, consequentemente, ao abrigo de todos os luxos e exageros daí resultantes. Diferenças à parte, soube que a selecção nacional - também presente - se estreou com uma derrota por 2-3 frente aos seus congéneres ingleses. É caso para dizer que só mesmo num campeonato de futebol de rua é que os arruaceiros ingleses levam a melhor sobre nós. Mas adiante. Para quem não esteja identificado com esta vertente pobre do futebol de alta competição, é de todo natural que proceda a conjunturas sobre quem é o seleccionador de cada país participante ou como são eleitos os sem-abrigo mais dotados para a prática do velho "soccer". Também eu julgava que havia um olheiro - tal e qual acontece com os clubes de nomeada – cuja função era a de andar por ruas e ruelas observando a técnica de cada um dos pobres desfavorecidos. Que os apanhava nas suas comuns disputas por um lugar melhor ou por aquele banco de jardim tão concorrido e testava aí a técnica com que se esquivam ao adversário ou a velocidade com que dele fogem. Mas não, nada disso. Existe de facto um responsável pela triagem dos mais de 50 sem-abrigo que aderiram a um torneio de pré-selecção e de onde saíram 14 eleitos. Destes apenas 8 viajaram até Gotemburgo, 4 como titulares e os outros 4 como suplentes. E se para lá voaram, devem-no em grande parte ao apoio incondicional da revista “Cais” que, uma vez mais, se revelou decisiva no apoio àqueles que são constantemente ignorados e ostracizados pela nossa sociedade. Outra dúvida que povoava a minha cabeça, era a de saber se a Suécia - país que se tem revelado um digno exemplo de como deve ser uma sociedade civilizada – veria com bons olhos uma invasão das suas ruas e avenidas por alegres atletas habituados a viverem ao relento. Se os suecos - e as belas das suecas altas e louras – iriam à bola com a organização de um evento destas características no seu território. Mas a realidade é outra. Existe de facto alojamento e alimentação para os atletas, tudo devidamente assegurado pela organização do Mundial. Mas se consegui esclarecer estas minhas dúvidas, de todo normais face à novidade do evento e consequente falta de informação disponível, já uma outra permanece sem resposta. Tratando-se de um campeonato para os sem-abrigo, poderá a selecção anfitriã reclamar para si o estatuto de ser a única a "jogar em casa"? Embora não me pareça de todo justo para as demais participantes, a verdade é que lhes assiste esse direito. Digo eu. À hora que escrevo estas palavras, desconheço qual o desempenho dos nossos rapazes. No entanto, acredito que não se tenham contentado com o lugar secundário a que já estão habituados no seu dia-a-dia. Pois lá porque não têm um tecto, não significa que não ambicionem por um lugar ao sol, mas este de que se orgulhem. Em resumo, que tenham seguido o exemplo daqueles que na primeira edição deste torneio – realizado na Austrália - conseguiram o feito de abandonar as ruas e arranjar um emprego que lhes trouxe uma outra dignidade. Por incrível que possa parecer, muitos foram contratados por clubes para alinharem pelas suas equipas e outros para as orientarem como treinadores principais ou como adjuntos. Que esta bola de neve sirva de lição a todos aqueles que vêem no futebol um cancro maligno da nossa sociedade. Ou a todos os outros que nem a janela do carro abrem, quando nos semáforos alguém lhes solicita a sua contribuição, por via da revista “Cais”. Aqui ficam os meus parabéns para todos os envolvidos neste projecto, pois trata-se de uma iniciativa que, no mínimo, dá que pensar. Mais que não seja por revelar a existência de quem ainda dedique algum do seu tempo – e dinheiro, porque não dizê-lo - aos mais desfavorecidos, neste caso aqueles que todas as noites ao relento sonham com uma vida mais digna.