Isolado
Que é isso de ilha?
Oásis perdido, em quantos oceanos, imensos
Água tamanha a enrolar-se à sua volta
Num abraço apertado, a perder-se no longe ténue
Ainda assim sequiosa, e assim a morrer
A espraiar-se no mar, pela mão da fina areia
Na fusão incapaz que nunca se perfaz
É viver sozinho em multidão
A estender a mão e nada levar
Nenhum toque, nenhum olhar
É ter vizinhos mil e sozinho habitar
A cair de bêbedo sem o vinho sequer provar
É desfalecer na rua e ainda assim ignorado
Atropelado, trucidado, e nem um, de tantos, se comover
É não saber para onde ir, se ir
Sabendo-os aos milhares, os destinos
Partidas, chegadas, viagens cruzadas
Todas estagnadas, perfeitas imagens
Gastas, amareladas, de quantas revistas surripiadas
A decorarem a memória que não tem hora
Que não lhes sabe ou reconhece
Um único lugar que não conhece
Aqui, onde seja
Deambula perdido, sem tino
Afogado num mar, também profundo, mas de gente
Que não compreende, que não o sente
Abandona a mesa, deixando-a só
E sem ordem sua da janela espreita a rua
É tanta a gente, a ele indiferente
Que a seus pés o chão mexe, o corpo estremece
No corrupio dos que vão, dos que de volta estão
Todos por comum de alma esventrados, limpos
Como o frango que lhe foi repasto
Que palita agora dos dentes, vazio de significado
Prestou-se a contento, agora só pensamento, breve, esfumado
Ele uma ilha, o tal oásis, invisível miragem
Tantos os olhos, nenhuns os olhares
Agoniza, como em tempos o frango, carcaça de asas decepadas
Dilacerado, miúdos ao lixo, a seu lado
Repousa neles os seus olhos e também neles nada vê
Sabe apenas que foram, parcelas vivas daquele todo agora desmembrado
E ele? Que não vai a nenhum lado?
Como poderá dessa forma ser lembrado?
Não o será, é certo
Apenas morrerá
Da forma que viveu, o tempo que perdeu
Arrastado, agastado por nem se entender
Alguém que o mate, lhe ponha cobro à dor
Antes que ele a tome nas suas mãos
Num inexistente momento de fervor
E para sempre isolado seja o seu estado
Na moldura da memória que não tem hora
Eternamente derrotado
Sem chama, nem vestígio de glória