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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Se dissesse

por migalhas, em 19.02.09

Se dissesse que nesta gaveta repousam quantos restos mortais do que escrevi
Sob um manto de pó pesado que lhes serve de cruz
Sob uma extrema-unção às portas do seu estado moribundo
De quantas letras finadas e de quantas palavras caladas
Diria que digo a verdade
Nua e crua, toda ela maldade
Que as palavras não morrem, nunca morrem
Nem as minhas nem as outras que falam pelo mundo

Se dissesse que ali as enterrei sem terra alguma
Apenas um pó pesado a pesar-lhes e a lembrar-lhes que se finaram
Usaria palavras minhas, mas também as outras que falam pelo mundo

Para chamar um padre, dois, toda a congregação religiosa desta terra ou de terra alguma
Um manto de clero e pela sua mão a santa inquisição

A mesma que tantas palavras antes destas matou em nome do seu mandatário
Um senhor, este apenas um, a dar nome aos actos de quantos se vingam nas palavras que ali depositei e vi morrer, às suas mãos, santa ignorância

Se dissesse que ninguém foi culpado, senão eu
Mentiria
Como minto quando digo se dissesse, pois nunca o disse
E por isso a vê-las definhar, a vegetar e na sua clemência à eutanásia apelar
Mato-as eu? Ou espero que apareça alguém para as matar?

Se dissesse que as enterrei
Nesta gaveta ou num qualquer livro que para sempre se quedará fechado
Encarcerando palavras, a arrastarem-se pesadas

Vítimas, interrogadas, maltratadas para se confessarem caladas

Mentiria ou diria a verdade?
Que eu lá sei, desta morte escrita com todas as letras