A seus pés
Inspirou fundo e avançou. Temia, nem sabia bem o que temia, mas sabia-se temente a algo que lá fundo lhe dizia, vai, mas vai atento. E avançou, impossível que estava agora de recuar. Já dera o primeiro passo e seguia-se um segundo, um terceiro, uma correria que fazia dos passos, passadas, largas, amplas, a chegarem onde a passo nunca iria. E foi, mais confiante, e falou, mais ciente, e de repente todo ele era voz e razão e vontade de mudar tudo, aqui, onde estava, mas também lá fora, na casa ao lado e do outro lado do rio, que fluía breve, como as palavras da sua boca. Na sua eloquência ganhava forma uma árvore enorme, esplendorosa, que se ramificava em mais e mais jogos de letras, longos ramos de frases maiores e mais complexas, palavras que eram folhas também, e uma sequóia frondosa ganhava altura, crescia, quase a tocar o azul brando daquele céu complacente, e das suas raízes vertia uma altitude que só do seu topo permitia contemplar a beleza inerente à sua figura. Abaixo dela, a sombra criada era a da paz para que contribuíra com a mais eficaz das armas. A arma falada, a que expõe, a que sincera diz o que acha, que pensa e nela refugia a sua ideia, o raciocínio que o pôs a passo, primeiro, e depois a correr, veloz, atrás de um vento impossível de suster, imprevisto, que podem ser rajadas e logo após apenas brisa leve, brisa breve. E quando regressou, daquele antecipado inferno regressou, era imagem confiante, gente importante, a sentir-se grato por ter falado a verdade, de que nunca se divorciara. Provou a si, provou a todos, que sendo espelho, a água límpida e cristalina que nada esconde, a palavra tudo consegue. Combate medos, ergue cidades inteiras, a seus pés imponentes florestas, antes moribundas, retomam viçosas o seu ciclo, toda a vida que um dia foi vida e morreu ressuscita num milésimo de segundo, e vozes, muitas e afinadas, num coro irrepreensível, entoam hinos a uma esperança que se julgava perdida, qual queda num infinito precipício, para sempre perdida. Foi então que a lagarta se fez mariposa e esta se fez enorme animal alado que, num voo enfeitiçado, rasgou o ar e resgatou o mundo daquelas trevas, daquele outro lado. Só por que falou e quando o fez fê-lo transparente, sem dúvida aparente ou outra que fosse, qualquer que fosse. Despido mostrou-se e foi como veio ao mundo que este o abraçou, lhe deu guarida, o alimentou. Um mundo que se julgava sem regresso mas que nele encontrou forma de o fazer. E assim renascer.