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Novo rumo

por migalhas, em 25.05.05
“É seguro avançar. Podes vir. Anda, sem medos”.
Tinha de transmitir-lhe confiança, incentivá-lo, dar-lhe força naquele seu próximo passo. Claro que tinha consciência de que aquele era, seguramente, o mais arriscado passo que alguma vez havia dado. Sabia da dificuldade, do medo, da insegurança, em último caso, do receio pela mudança. E por saber que uma simples hesitação poderia deitar tudo a perder, gritei-lhe bem alto que era hora de seguir.
“Chegaste tão longe, não vais ficar por aqui. Agora só te resta seguir, avançar.”
Queria deitar-lhe a mão, poder ajudá-lo de outra forma que não apenas por palavras e incentivos. Mas ele estava ainda longe do meu alcance. Restava-me então a voz e o que ela lhe pudesse transmitir. Também eu estava receoso de que o medo pelo desconhecido, pela novidade, o fizessem recuar. Mas sabia bem que não poderia demonstrá-lo. O que me saía cá de dentro, em força dos meus pulmões, não podia agora (não agora) demonstrar o meu estado de alma. Ele nem desconfiar podia de que também eu sentia receio. Voltei a chamá-lo, como que a acordá-lo do estado de inércia latente em que parecia acomodado. Como quando ficamos especados, vidrados num objecto que nos faz parar no espaço e no tempo. Sentimos o mundo em nosso redor, mas parecemos dele não fazer parte. Ausentes, nem que seja por instantes, parece que a tudo assistimos do exterior. Um mundo paralelo, onde só temos acesso por pequenos períodos de tempo. Uns breves flashes de que guardamos apenas curtas recordações nas nossas memórias sempre repletas e ocupadas por coisas mundanas e de tão banais entediantes. São milésimos que nos afastam de tudo o que somos, de tudo o que vivemos sempre igual. Assim ele parecia estar. E deixá-lo-ia, por tempo indefinido, de tão agradável a sensação. Mas não agora. Não neste segundo em que por obrigação tinha caminhar em frente e fazer-se ao novo estágio que cá fora o aguardava. À beira de partilhar a sua vida, de fazer dela realidade palpável para quem tanto o ansiava. Tudo estava nas suas mãos, tudo dele e só dele dependia. A sua mãe expelia ritmadamente golfadas de ar que o deveriam impelir à saída. Nove meses passados sobre um estado de calma continuado, agora prestes a ser quebrado. Mais um esforço, mais um chamamento, mais um trabalho conjunto a três, que por finalidade o tinha apenas a ele. Então por fim lá se tentou a espreitar. A experimentar a novidade que o aguardava cá fora, longe do ventre de sua mãe. Agora tão perto de se fazer à sua nova e inebriante vida, como que se sentiu compelido a avançar. A dar o tal passo rumo ao desconhecido. Para trás ficava o grau zero, o piso térreo, a estrutura base de quem ele haveria de ser. Ainda sujo, foi-lhe quebrado em definitivo o elo que ainda o ligava ao seu curto e recente passado. De agora em diante, apenas futuro. Chorou. Não por que o futuro lhe desagradasse, ou esta nova fase da sua vida. Mas porque sentiu na sua pele, ainda enrugada, o primeiro contacto real com o mundo exterior. Depois da dor, do esforço, a sensação repousante do dever cumprido. A lágrima de alegria que escondia as que, em fila, aguardavam a sua vez de se mostrar. A exaustão que agora dera lugar à ansiedade de ver, tocar, sentir, acarinhar. De respiração ainda ofegante, logo se viu aninhado nos braços de sua mãe, onde, merecidamente, iria repousar da aventura que tão valentemente acabara de protagonizar. Para todos era hora de mudança. O rumo estava tomado. Um novo rumo.

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