Que não me levem a mal os que não os têm, mas cada vez estou mais convencido de que só tem futuro quem tem filhos, biológicos, entenda-se. Por muito trabalho que dêem (e dão imenso trabalho!), por muita chatice que dêem (e dão imensa chatice!), por muita despesa que representem (e se eles saem caros!), é neles, nos filhos, que reside o nosso depois de amanhã. De cada vez que atento nas minhas filhas (e são mulheres, pelo que maior é a minha possibilidade de me ver eternizado) vejo nelas os apontamentos, os tiques, as nuances, muitas das combinações que me fizeram assim, e que lhes foram legadas por mim, mas também pela sua mãe, e, nesses detalhes, vejo-me numa espécie de continuação de mim, de nós. Todos envelhecemos, eles avançam na medida em que nós, adultos, seus progenitores, regredimos. É assim, é simples, é a lei da natureza. Mas essa mesma lei dita também que sejam eles a carregar a tocha olímpica para novas conquistas, as de amanhã, e que nessas parte de mim, de nós, participe. Pois se existe algo de que terei toda a certeza na hora da minha partida, é a de que essa será provisória, será apenas em parte, pois a partir desse instante as minhas filhas serão os meus olhos apontados ao futuro que lhes caberá então a elas viver. Por isso acredito, cada vez mais, que só quem deixa descendência se pode permitir estender para diante desta passagem. Se pode eternizar, enquanto eles, os nossos descendentes directos, entenderem que assim deva ser. Num imenso ciclo que teve início muito tempo antes deles e que, a ter sequência, se perpetuará muito para lá deles. Transportando com eles, e com todos aqueles que lhes sucederem, parcelas do que hoje sou e parte do que, também eu, um dia herdei dos meus antepassados. Elas, as minhas filhas, serão então a minha continuação no tempo, a ponte que me há-de permitir essa exclusiva continuidade. Elas, as minhas filhas, são a melhor aplicação, o melhor e mais rentável investimento que alguma vez poderei fazer. Pois é nelas que deposito a minha probabilidade de seguir viagem para lá desta, por muitos tida como, derradeira estação, que é a que ocupa quem não deixa descendência, alguém que os continue.
O sérvio Zoran Zivković, vencedor do World Fantasy Award com o livro "A biblioteca" e por muitos tido como sério “candidato ao lugar” de “novo Borges”, estará em Lisboa no dia 18 de Junho, no Festival Silêncio, onde irá apresentar precisamente o seu mais recente livro, «O Último Livro», publicado em Portugal pela Cavalo de Ferro. O evento terá lugar no Cinema São Jorge (Sala 2), pelas 18H00, e a entrada é livre.
pelas frinchas desta porta entra o ar arreliado, que não se querendo sozinho lá fora faz deste que aqui tento suster seu aliado.
entra à socapa, sem modos educados, isento que se julga de pedir permissão.
acha-se dono e senhor de todo o espaço, mesmo o que julgava apenas meu.
entra, que não o consigo reter lá fora, para vasculhar, para conjurar com este que aqui me serve de provisão. atento retenho o que segredam, o que congeminam, que não posso privar de respirar e por isso este ar é-me essencial.
os dois a um canto e eu a fazer-me despercebido.
de um lado, o mais pesado, bafiento, aquele que aqui vive comigo.
do outro, um mais respirável, afável, mas desgostoso por não poder ser um todo continuado, isolado de toda a sua vastidão por portas, janelas e todas as demais fronteiras que a toda a hora se interpõem e o impedem de se tornar, por fim, uno.
felizmente para ele o mundo tem frinchas, tem passagens, fissuras, todo o género de escapatórias por onde ele se intromete e sem medos tudo faz para se completar.
e da mesma forma que se intromete por entre estas paredes que julgava só minhas, também se faz convidado a visitar aquelas outras que entre si guardam tantos outros seus parentes, uns mais pobres que outros, mas que lhe são família a que se quer reunir.
e se ali o ar que se lhe deu, ali estava ele; e se acolá o ar de poucos amigos, ele acolá estava; e se naquele outro canto morava um ar arreliado ou um ar atento, encavacado, enfadado, atarefado ou até mesmo um ar de rock (que em tempos tão bem serviu de impulso à carreira de um conhecido músico da nossa praça), fosse qual fosse, a todos se apresentava e por entre todos eles se imiscuía e tentava a tal união, aquela que faz a força.
às conquistas recentes do ar do campo - puro, limpo, o mais saudável, dizem -, do ar do mar - também ele muito recomendado pelos médicos, ou pelo seu iodo ou pela sua intensa capacidade de regenerar, e, nessa perspectiva, o intenso e inigualável cheiro da maresia - ou, já num extremo totalmente oposto, do ar da cidade - poluído, espesso, quase irrespirável, um ar de cortar à faca –, seguir-se-iam incursões constantes por espaços alheios, única forma de se apropriar dos poucos membros, órgãos, parcelas, o que fosse, que sabia seus e que de nada serviam dispersos, desunidos, tresmalhados, cada um a fazer por si, em oposição ao que, unos, num todo imensurável, poderiam fazer, ser, a dar ares de coisa enorme, arrebatadora.
pela parte que me toca, apenas não prescindo do ar que me enche os pulmões.
é pouco, bem sei, mas por ora suficiente.
dizem-me que ando cá com um ar, que mais pareço um morto vivo.
é da falta de praia, defendo-me.
que assim que se puser um tempo em condições, que se desfizer este já quase eterno ar de chuva, abandono este buraco e ponho-me ao fresco.
quem sabe uma mudança de ares me faça bem, me anime.
que isto tem todo o ar de quem nos próximos tempos vai estar sem fôlego e eu com falta de ar é que não posso.
As fotografias de Bert Stern, o último homem a fotografar Marilyn, uns dias antes da morte da actriz, vão estar patentes ao público na exposição "Marilyn Monroe - A Última Sessão", na Fundação D. Luís I - Centro Cultural de Cascais, de 5 de Junho a 17 de Julho. De referir ainda que esta mesma exposição, inaugurada em Paris, já esteve no Rio de Janeiro, São Paulo, Nova Iorque, Seul, Londres e chega agora até nós. Quanto ao apetecível catálogo da exposição, será publicado pela Quetzal e sai dia 3.
Mais aqui: http://www.ionline.pt/conteudo/125243-marilyn-monroe-despida-ultima-sessao-fotografica
"Quando eu corria por entre os carros para os assustar, pois asseguro-vos que um miúdo atropelado não agrada a ninguém, tinha muita importância, sentia que lhes podia causar sarilhos que nunca mais acabavam."
«Uma vida à sua frente é narrado por Mohammed, um rapaz árabe de 14 anos, órfão, que vive no bairro pobre de Belleville com Madame Rosa, prostituta reformada e sobrevivente de Auschwitz.
Publicado em 1975, o livro teve êxito imediato: vendeu milhões de exemplares em todo o mundo, foi traduzido em mais de vinte línguas e adaptado para o cinema num filme com Simone Signoret. Nesse mesmo ano, recebeu o Prémio Goncourt.»
Leiam aqui (http://www.ciberescritas.com/?p=9545) a interessante história deste escritor, o único que recebeu o Goncourt por duas vezes.
Eles não sabem que o sonho É uma constante da vida Tão concreta e definida Como outra coisa qualquer
Como esta pedra cinzenta Em que me sento e descanso Como este ribeiro manso Em serenos sobressaltos
Como estes pinheiros altos Que em verde e oiro se agitam Como estas aves que gritam Em bebedeiras de azul
Eles não sabem que sonho É vinho, é espuma, é fermento Bichinho alacre e sedento De focinho pontiagudo Em perpétuo movimento
Eles não sabem que o sonho É tela, é cor, é pincel Base, fuste ou capitel Arco em ogiva, vitral, Pináculo de catedral, Contraponto, sinfonia, Máscara grega, magia, Que é retorta de alquimista
Mapa do mundo distante Rosa dos ventos, infante Caravela quinhentista Que é cabo da boa-esperança
Ouro, canela, marfim Florete de espadachim Bastidor, passo de dança Columbina e arlequim
Passarola voadora Pára-raios, locomotiva Barco de proa festiva Alto-forno, geradora
Cisão do átomo, radar Ultra-som, televisão Desembarque em foguetão Na superfície lunar
Eles não sabem nem sonham Que o sonho comanda a vida E que sempre que um homem sonha O mundo pula e avança Como bola colorida Entre as mãos duma criança
Pergunta ao Pó é a história de Arturo Bandini, um jovem aspirante a escritor recém-chegado à Los Angeles dos anos 30. Lutando pela dura sobrevivência diária enquanto sonha com o sucesso literário, Bandini vai-se deixando fascinar pelo lado sórdido da cidade até se envolver com a esquiva e temperamental Camilla Lopez, uma empregada de bar mexicana. A paixão que a um tempo o arrebata transforma-se, pouco a pouco, numa destrutiva relação de amor-ódio que vai conduzir a um trágico desenlace.
Pergunta ao Pó é uma obra marcante de um mestre da ficção americana do século XX e foi adaptado ao cinema por Robert Towne, que o classificou como o melhor romance alguma vez escrito sobre Los Angeles.
Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário. Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário. Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico; estaremos todos tão mal preparados para conseguirmos ver as acções íntimas e os objectivos secretos de cada um de nós? Será que devemos todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela à prova de som, evocando as pessoas através das palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o facto de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. O não as compreender é que é a vida, não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e depois, depois de muito repensar, voltar a não as compreender. É assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos. Talvez o melhor fosse não ligar ao facto de nos enganarmos ou não sobre as pessoas e deixar andar. Se conseguirem fazer isso - estão com sorte.