Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

facebook

farrapos - tomo 1

por migalhas, em 27.09.10

farrapos

de nuvens, de gelo, de quantas almas em trânsito

que nada se debela assim tão simples como o vento que nos sopra o rosto

fosse um pacote de açúcar e o café ficasse como os retalhos de que sou feito

perfeito

quebrado

o espelho, o vidro, o coração que também sente estilhaçado

a dor a seu lado, sempre em doses mais generosas

que isto que encenamos e representamos não é um mar de rosas, sequer um imenso oceano

antes um pano

de farrapos, desfiados, sem ponta que os una

que não há ramo ou vontade mais solta que me auxilie a subida

erguida na força do impensável que eu possa

na insignificância do que sou, represento e por isso concebo

por mim, sem sangue de qualquer criança ou truque sujo

farrapos, apenas e só

ao pó abandonados na força do inimaginável que possam ser

ao cair da tarde

por migalhas, em 20.09.10

Era tarde. De tarde. O sol ameaçava já com o seu recolher para se acolher sob o manto quente e perpétuo do horizonte sempre deslumbrante. Ficava tarde. Decidir o que fazer, partir ou recuar e nas palavras o conforto sentir. Era talvez hora de se redimir. Se a cabeça lhe apontava um caminho, o de ida, de deixar para trás, virar as costas, já o coração, esse emocional imprevisível e sempre de discurso mais sentimental, o encaminhava para o entendimento por essas mesmas palavras, pelo discurso redentor, pelo tentar de novo a aproximação. Ambos a pairarem sobre o seu ser, qual diabo, qual anjo, e a ser-lhe de difícil decisão a qual atender, se aos dois, se a nenhum, se seguir com o que pudesse ser nem carne nem peixe, qual vegetal de proporções ecológicas na lógica que agora lhe faltava, rivalizando em igual medida com a falta de sequer querer entender esse porquê. Era tarde. Cada vez mais e mais tarde, já quase a fazer-se noite. A hora do lobo, a hora do sono. Não cairia nessa tentação, a de se deixar levar pelo retemperador descanso que pela manhã o fizesse ver tudo de uma outra perspectiva. Não iria facilitar, nem apressar a decisão, apenas confiar no que viesse adiante, fosse tarde ou mais tarde ainda fosse. Nada seria deitado a perder, pois muito estava em jogo e da sua próxima jogada alguém haveria de sair sofredor. Pelo menos um, não fossem os dois assim ficar, no lamento de uma decisão tomada à revelia da própria compreensão, capaz de os deixar em solidão, nessa sofreguidão de se quererem mais e mais e no processo apenas hipotecarem esse seu amor numa palavra mal interpretada, num gesto mal pensado, numa frase mal ensaiada. Talvez a proximidade do vasto manto de mar amenizasse essa ira que era falsa mas que era o que agora imperava, no decurso de tanta palavra amaldiçoada. Porque sofrem os que amam? Amar sempre rima com ficar, mas a si pertencia-lhe a decisão de partir, se assim o entendesse. Mas nem isso. Nada era dado ao entendimento naquele falso sentimento que o consumia e levava a ponderar que caminho tomar. Sabia que uma palavra tudo poderia mudar, mas teimoso, obstinado no seu estúpido orgulho, tudo deitaria a perder e a ela também. Sabia, fora ela que lho transmitira, que não contaria com nova oportunidade. Haviam-lhe sido dadas as suficientes para se redimir numa incompreensível dádiva que nenhum outro humano consciente poderia um dia vir a entender, pois que nem tanto ao mar nem tanto à terra. Que ela era tudo o que ele jamais poderia desejar. Que ela o amava de alma e coração e, ainda assim, todo esse ouro ele recusava numa indecisão em que só se vaticinava a sua perda. Fosse hoje, fosse um dia, fosse quando fosse, seria sempre tarde demais. Tarde demais para regressar. Aos seus braços, outrora expectantes, sempre por si, pelo seu abraço fugidio, de quem foge sem saber porquê ou de quê. Por isso correu veloz, mãos nos ouvidos para não mais se ouvir e saltou. Daquele penhasco saltou, os braços abriu e dotado dessas asas voou. Um último voo, este em direcção ao sonoro mar que sempre o avisara que seria com ele que um dia mais tarde se iria encontrar, para com ele, uma certa tarde, se vir a casar.

tributo

por migalhas, em 14.09.10

na distância do que foram dias somados

de então para cá erguidos nesta cumplicidade que nos move

a par, que o caminho é a dois, dos dois

e de quanto apenas dois podem erguer na força do seu querer

 

o tempo passa, por nós também passa

e quanto desse tempo são marcas por nós deixadas

reticências do nosso dito e feito

para lá destas tantas horas e dias e meses e anos

para lá de quantas parcelas o próprio tempo é feito

 

fossem estes 14, fossem 14 vezes estes, fossem os que jamais pudesse contar

cada um seria sempre testemunho desta estranha forma que um dia no seu vigoroso abraço nos enleou

num encantamento que não sei explicar

mas que me é o ar

me prende o olhar

e sempre que se faz ausentar

é profundo vazio como não lhe conheço par

 

a ti, tudo

ontem, hoje, para sempre

entrados no 9

por migalhas, em 02.09.10

entrámos no 9 numa rua de 12

batemos ao de leve e na ausência de resposta quem cala consente

adiante que para a frente é o caminho

de espinhos, de descobertas, do que seja que nos nos sustente esta esperança vã de lá chegar

onde?

onde viagem alguma nos leva

que por aqui todos bem e a oeste nada de novo

apenas os do costume, tementes ao que nos reservam os restantes 3

somos muitos, pacientes, um por todos e todos por um

de nada nos serve especular, fazer previsões, atirar para o ar

somos nada, coisa nenhuma

à mercê de mãos que nos empurram

depois do 9 ao 10 e sempre adiante

nesta roda viva de incerteza

que nos mantém aqui presos sem defesa

primeiro dia

por migalhas, em 01.09.10

sem querer, sem palavra a dizer

sem opinião, sugestão ou sequer entender

lá foi ela, pequenina a dar os primeiros passos, ainda meio atabalhoados, carentes do equilíbrio perfeito, mas os primeiros rumo a uma nova etapa da sua ainda tão escassa vida

a novidade, o desconhecido, as novas rotinas que agora se lhe impõem

aos poucos, é certo, mas a formá-la, a orientá-la para um novo patamar do seu ser

essa tarefa árdua e tão involuntária que é crescer

e um primeiro contacto, e uma preciosa ajuda da irmã mais velha, a encaminhá-la, a mostrar-lhe o que também já foi experiência sua

e tudo a compor-se num quadro que nos deslumbra e atenta ainda mais no seu crescimento, esse passar de tempo que nunca lento, isso jamais

que seja o primeiro dia de muitos assim, de felicidade, de saudável avançar na idade, de toda e qualquer base que lhes sustente uma evolução plena do que de melhor lhes possamos desejar

porque um dia, lá mais para adiante, vão então entender o quanto vale crescer passo a passo, com a conta, peso e medida do que é adequado a cada etapa

pois o mundo vai precisar de gente que o entenda, que se entenda e que lhe consiga proporcionar o que nós adultos deixámos escapar

fosse por egoísmo, fosse por desleixo, fosse pelo que fosse

legado que nas suas mãos depositamos

qual presente armadilhado, tão de tudo necessitado

e nesse empreendimento ganhem ainda a batalha da tolerância, do respeito pelo próximo e por quanto as rodeia

ganhem o sol, ganhem a lua, ganhem um novo velho mundo agradecido

que seja sua casa arrumada doravante, sua e dos que se lhes seguirem

igualmente entes queridos, do seu amor paridos

numa onírica composição

então já por querer, com palavra a dizer, opinião, sugestão, no seu entender de gente crescida e formada para não mais deixar acontecer o que hoje nos devia envergonhar, a nós, adultos, que nem o berço que lhes preparámos respeitámos como deve ser

por isso tudo o que hoje possamos dar-lhes será sempre tão pouco face ao que terão em mãos para recuperar, remodelar, reformular

passo a passo, como o que hoje tão pequenina ela deu

a caminho de amanhã, do seu amanhã, de um futuro que no rosto estampe sorriso inocente e profundamente contagiante como aqueles seus que nos visam e desarmam, na sua doçura de gente miúda

daqui em diante é sempre a seguir, que amanhã há mais

pois esta é uma nova aventura

que ainda agora era uma vez...