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100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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O que fica do tempo que passa?

por migalhas, em 24.04.08
O tempo passa, mas o que fica?
Soma-se a idade e na verdade o que sobra?
É o mar, extenso mar?
É o céu, intenso e sempre nosso tecto?
Sou eu ou nada resta?
É a faca?
O seu gume afiado que nos degola o passo?
Um inferno só o é porque tem de ser, é assim, é destino.
É o que fica de quanto fiz ou pensei fazer.
É a fornalha de intenções que foram cinza antes mesmo de serem paridas.
E sigo naquele pontão, todo ele madeira ressequida pelo tempo de sol, pelo tempo de chuva.
Nada.
Nem o cantar longínquo das gaivotas a anunciarem o que não pressinto.
Mas elas sim, sabem o que fica para lá do tempo que me consumiu.
Para lá daquela porta que nunca fechei, até à última hora.

A seus pés, tementes

por migalhas, em 20.04.08
Aí vem a tempestade.
Ainda à distancia, mas já a anunciar-se ruidosa, como só ela, assombrosa.
Não se coíbe da afirmação peremptória, que é seu cartão-de-visita.
O respeito que impõe, sabendo que à sua passagem são tantos os receios destes que lhe são tementes, apenas crentes num deus agora ausente.
Escurece qualquer discernimento, em forma de horror, de imenso tormento.
Porque o medo tem essa particularidade, a de propagar a inigualável consistência própria das estátuas rígidas e frias.
E a tonalidade, essa, é o expoente limite do que é alvura e se perfaz em cada tez que a seus pés se vê impotente.
No céu fez-se noite antes de tempo, que o tempo é de trevas.
Só os tolos, ou aqueles dementes incautos, se fazem ao seu caminho e como inconscientes pelas ruas deambulam, no caminho do que é devastação, tão certa como a morte, que a todos nos sopra a sua palavra divina.
Que a bonança virá, a seu tempo virá, mas nem essa é augúrio de vida eterna.

Fatal existência

por migalhas, em 17.04.08
Viver é fatal.
Aquelas sonoridades, os tons quentes, o silêncio abissal, profundamente atraente.
A paisagem que nos toca e logo nos foge.
Um olhar é sempre pouco.
Um toque, o sentir, quanto do viver se nos escapa, ainda em vida?
Que a vida é sempre um passo mais rumo à partida.
E o que fica?
Para lá das histórias, as que contei, as que ouvi contar, de tudo o que vi, um dia vi e senti com a intensidade de quem olhou mais adiante, sabendo à partida que a vida tem hora marcada com a chegada.
A vida fatal, como o destino, fatal.
E o que fica?
Para lá do voo dos pássaros, cruzando um céu azul que não é senão de ninguém.
De nós, os mortos.

Quanto do todo é parte minha?

por migalhas, em 11.04.08
Quanto do tempo todo é o meu tempo?
Quanto do vasto universo é o meu espaço?
Quanto de cada um dos intensos sentires me cabe a mim?
Eu que só uso o ar que me é devido, que não me tento a mais do que aquilo que me é destino.
Com que posso eu contar, que posso eu perseguir, a que posso almejar?
A viver breve e a saber aproveitar essa brevidade de ser e estar no espaço e no tempo e nos sentires todos que me serão o caminho, o que percorro orgulhoso.
Dia após dia, pois que a vida é a soma de todos os dias, os que percorro orgulhoso e nunca sozinho.

Nunca o vento

por migalhas, em 08.04.08

Finda-se tudo, mas nunca o vento.

Finda-se o que é felicidade extrema, o que é dor, agonia, tormento.

Findam-se os dias, a noite finda-se, perece a vida toda, de epílogo tudo padece.

Mas não o vento.

Esse acontece, aconteceu, acontecerá sempre e para sempre num eterno amanhã, como ele é.

Vento é sopro de vida, que a tudo assiste, tudo acompanha.

Vento é a vida de que se fazem os dias, os dias que nos são a vida, um após outro, após outro.

O vento não tem ordem para morrer.

Pode esmorecer, isso pode, fazer-se inexistente, mostrar-se ausente, mas nunca para sempre.

O vento é o tempo, como o tempo, eterno.

Nascer o mundo viu, a tudo assistiu, e nunca, nem por um momento ou ao que fosse, ele sucumbiu.

É galante, se tem de o ser, mas, querendo, é brutal, ser animal.

Escolta os dias, os dias todos, e a vida de que se fazem os dias.

Dá colo a cada um, alimenta-os, olha por eles e recebe-lhes a extrema-unção na hora em que, já cansados, no fim da linha que foi a sua, se entregam rendidos à noite escura, à noite apaziguadora. 

O vento é o tempo, como o tempo, eterno.

O vento é cada dia, é sopro de vida, a vida de que se fazem os dias.

E de cada vez que um novo dia de velho se finda, o vento nunca.

O vento é sempre novo, alma nómada que percorre cada dia, como sopro de vida que nunca se finda.

 

© Copyright Migalhas (100NEXUS_2008)

Falsas mentiras

por migalhas, em 01.04.08
E as crianças?
As que morrem à mingua, de alimento, de água, das mais elementares condições capazes de lhes proporcionarem a esperança que desconhecem?
E o crescente número de refugiados, vítimas inocentes de conflitos armados?
E a propagação contínua de actos de racismo e de intolerância pelo pensar e agir alheios?
E a ausência de civismo, de respeito, de educação?
E a miséria, a pobreza, a degradação, de quantos se vêem cair num abismo que lhes impossibilita uma vida minimamente condigna?
E o continuado abuso de crianças inocentes, mais e mais vítimas brutais da bestialidade humana?
E o constante desrespeito pela aplicação dos mais básicos direitos humanos, que tanto se apregoam mas quase sempre em vão?
E isto e muito mais que grassa por este mundo já quase imune a tudo isto e muito mais, pois que tudo isto e muito mais coisas comuns, coisas por demais banais?
É mentira, são mentiras, estas e todas elas e mais um incontável número?
Serão apenas e só invenções da cabeça criativa de quem hoje (e só hoje) se lembrou de que poderiam ser remota possibilidade?
Que volvidas as 24 horas deste dia, pura e simplesmente desapareceriam, como que por artes mágicas?
Que volvidas as 24 horas deste dia, tudo regressaria a uma realidade que outra, essa a ideal, em que cada um desses cenários, quase impossíveis de imaginar (senão na cabeça criativa de quem os imaginou), não passariam apenas disso mesmo, de longínquos cenários hoje, e só hoje, imaginados?
Qual ilusão, quanta imensa desilusão, sabê-las afinal falsas mentiras, toda e cada uma, realidade nua e crua, aquela que nos enlaça, se nos gruda, terrenos pantanosos que nos travam o passo, de tal forma a injustiça ganha forma em forma do ar que se respira, a cada hora, a cada dia.
Antes fosse, apenas brincadeira por um dia, coisa ficcionada, que no final destas 24 horas se transformasse, como que por magia, quiçá numa deliciosa melancia.
Que de entre tanta mentira, hoje a ganhar consistência, tudo isto e muito mais vivesse a mais fugaz brevidade, tal a sensibilidade e delicadeza que não lhe permitisse a veleidade de nem mais um dia, o seguinte, aquele que se avista já ali, ao virar da aurora.