Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

100Nexus

TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

facebook

Ser agastado

por migalhas, em 30.11.07

Com ele confrontado

Naquela sua postura agastada

Corpo inerte, num banco sentado

De mim se apossou

Um estado desencantado

Aperto angustiante

Como um todo por mim alastrado

 

Bastou com ele o olhar cruzar

E nos seus olhos tementes

Cabisbaixos a implorarem clemência pela pressa dada à sua vida

Ler-lhe a impotência, a revolta contida

Em lágrimas barradas à saída

Pela vergonha de ser homem e chorar pelo seu fado, injustiçado

 

Olhá-lo assim

Farrapo desprezado

Rosto enrugado, pela vida marcado

Como se pela última vez

É imagem poderosa, ainda que não o saiba

É reflexo de quem da vida saiu derrotado

E depôs as armas, todas as que tinha

Mesmo a esperança, que ainda o sustinha

 

Ouvir-lhe a voz trémula

Falar da sua dor

Marcou-me, deixou-me tolo

Asfixiado num turbilhão arrebatador

 

Agora já só deambula

Perdido, sem tino

Figura que se esbate

Quase ausente

A aguardar a hora

O seu último destino

 

Sinto que não voltarei a vê-lo

Mais um dia e já não será ou aqui estará

E é isso, sabê-lo real

Entender quão frágil é ser

Que sufoca, que pesa e marca

Que tudo deixa transparecer

 

Memórias

por migalhas, em 22.11.07

Retalhos.

Compilação, a nossa compilação, de momentos, tantos, de importância que varia segundo o peso que lhes atribuímos.

Ou o retrato da vida.

Muitos retratos, em sequência, com mais ou menos cor, mais ou menos definição, a ilustrar o curso desta existência, sempre dependente de cada um deles, tantos e tão variados.

A soma que perfaz o todo.

Os carimbos de quantas viagens, a cada canto do nosso mundo privado, exclusivo, como mais nenhum. Impressos a ferro quente nesta nossa carcaça.

São refúgios, quantas vezes, outras bóias que nos salvam e levam à tona.

São pesadelos, quantos deles. Ainda assim inesquecíveis. Insistentemente, doentiamente, figuras sempre presentes. Difíceis de deitar para trás das costas, de simplesmente apagar, fazer esquecer.

Muitos servem de lição, quase todos. Com cada um crescemos, aprendemos, damos mais um passo, nem sempre o correcto, mas avançamos.

São o que fomos, o que fizemos, a nossa marca, o que escrevemos nesta breve história.

São o que são, valem o que valem.

Mas somos nós ali, a essência do que em tempos éramos, os sonhos que conseguimos, as desilusões que nos marcaram, para onde evoluímos ou, antes, regredimos.

Quantas máscaras foram caindo, cenários que mudaram, papéis que vestimos, num sem número de interpretações cómico/trágicas a que não se conhece o final. Deseja-se feliz, ovação prolongada, rasgados elogios.

Num culminar de memórias inesquecíveis e grande parte delas honrosas.

As memórias, o nosso mel, o nosso travo a fel.

Marcadas a quente nesta carne, nesta alma, nesta mente, no frio perdurarão e perpetuadas serão, bem para lá do último capítulo, deste ser e estar que é ser gente.

Voltar a ser

por migalhas, em 20.11.07

- “É bom estar de volta” – Exteriorizou no momento em que se sentiu regressado.

Regressado não de uma qualquer viagem ou curta deslocação a qualquer lado, mas a um ser e estar que sabia ser o correcto. Que em tempos conhecera e fora o seu. Aquele por todos tido por normal, como se alguma coisa o fosse. Ainda assim, um estado em clara oposição ao que vivera nos últimos e conturbados meses. Um estado limite, de uma aflição sempre aguda, paredes meias com a demência, com ela quase a fundir-se, a pisar a fronteira do indesejável, do proibido, sempre a aproximá-lo de um abismo e a pedir-lhe que se lhe entregasse. Que se libertasse, por fim, e ousasse desafiar as leis estabelecidas de uma gravidade que, então, era a sua também. Que se fizesse sem medos às profundezas das escarpadas falésias a pique, que lhe acenavam com rasgados e violentos uivos de uma dor que era a de cada onda no instante em que se sentia traída pelo beijo de repulsa recebido de cada formação rochosa, fria e insensível, lá no fundo, no longínquo precipício, naquela boca de um inferno temível. Vivera em falso por tempo demasiado. Sentira cravado na pele, na mente, a sensação vivida do que de pior se pode pedir à vida. O seu lado sombrio, negro mesmo, o gueto marginal, a curva perigosa na estrada, o atalho que nos encurta a viagem. Vivera tempo demais arredado do seu ser. À sua própria margem, sem vontade própria, apenas a mando de algo que um dia se achou no direito de viver a vida que era a sua. Sem o consultar, sem a sua permissão ou ordem. Como uma tempestade que não se anuncia, sem eira nem beira, impetuosa, alheia a qualquer código, rebelde desrespeitadora de vontades ou quereres. Apenas porque sim, porque o quis a ele e lhe apeteceu, naquele momento. De uma forma avassaladora intrometeu-se no seu espaço e violou-lhe corpo e alma, num abuso brutal, animal, sem vestígio de racional. De tudo ele se recorda agora, sem qualquer saudade, apenas percorrido por um alívio profundo, como quem renasce das cinzas ou regressa de uma morte já anunciada. Surpreendido, também. Pois nunca se imaginou capaz de lhe fugir. De lhe escapar às garras afiadas que já lhe rasgavam a carne, rumo ao seu cerne, também ele massacrado.

Hoje estava de volta. Daquele estado que era passado. Que julgava passado. Que fora tudo e nada e dele fizera seu escravo. Libertara-se. Sim, fizera-o, por fim. Já cansado de a seu mando viver, se é que aquilo era realmente viver. Extenuado por apenas a ele responder, obedecer. Uma obediência maléfica, preâmbulo da mais extrema loucura. Pusera-lhe um fim, àquela loucura. Pusera, finalmente, fim ao que fora, cansado de o ser. Libertou-se, as amarras, tudo, todo ele. Hoje estava de volta. Voltara a ser o que um dia fora e isso fazia-o sentir-se bem. Regressado àquela paz, sua velha conhecida. Merecida, derradeira paz, em total ascensão ao patamar definitivo. Fecha-se a porta. Cerram-se as portadas de cada janela, uma a uma, correm-se as cortinas. Paz à sua alma.

Escolha

por migalhas, em 15.11.07
Escolha
A vida, escolhas
Termo plural, pois ele é cada segundo
Nada se lhe compara
No seu ritmo, na sua frequência
No peso imensurável com que nos faz e forma
Tudo nesta passagem são escolhas
Isto, na vez daquilo
Por aqui, em vez de por ali
Desde o minuto zero que as concretizamos
Com mais ou menos consciência
Cada inspirar é uma escolha
Da mesma forma cada expirar

Somos por todo escolhas
Uma após outra após outra
Num contínuo que cresce connosco
Nos segue e observa como uma sombra
Ou como uma nuvem que não nos larga
Faça chuva ou faça sol
Seja dia ou noite profunda
Sempre expectante pelo nosso próximo passo
Outra e outra vez
Uma próxima escolha

Escolha
Não, escolhas
Um impossível singular
O nosso ser, o nosso estar

Se…

por migalhas, em 12.11.07

Se vidas houvesse

Que me fosse possível vivê-las

Por entre os despojos da multidão

Daqui até onde a vista alcança

Daqui até onde me é permitido

Porque há um limite

Onde tudo se satura

Onde tudo se queda e finda

Como cada dia

As sextas e mais 6

por migalhas, em 09.11.07

As sextas-feiras são, por norma, um tópico agradável. Por que é um dia muito especial, por que reúne em si uma mística muito própria, por que é já um prólogo do fim-de-semana que se lhe segue. Inclusive a sua sonoridade parece atrair as atenções, até dos mais distraídos e aluados. Assunto que inclua sexta-feira, é assunto a que se dá uma atenção e carinho muito especiais. Mas o que é realmente a sexta-feira? É o início do fim, por assim dizer. Mas de um fim diferente. De um fim que todos anseiam. Que todos procuram com a mesma intensidade de quem busca o mítico Santo Graal. Semana após semana, desde que a segunda-feira toma posse. Aliás, diz-se mesmo que é nela, na figura da sexta-feira e por tudo aquilo que ela representa ao nível do consciente colectivo, que muito desse colectivo encontra uma motivação extra para superar os restantes dias de labuta. Como uma miragem que nos faz continuar a atravessar este deserto de dias de stresse, até que, por fim, ei-la! Até pode ser que seja realmente assim, como dizem. Ou tudo não passar de uma simples, mas eficaz, sugestão. Metaforicamente falando, seria qualquer coisa como a cenoura com que nos acenam para nos motivar a seguir caminho e que no fim faria as vezes da merecida recompensa por nos termos portado bem e cumprido com as nossas obrigações. Talvez, não sei. Só não quero pensar que o que faço, que a soma das minhas tarefas, dos meus dias, se regem apenas pelo vislumbre quase sempre optimista de dois outros dias, ditos especiais, que se avistam, ora em aproximação, ora à distância, no meu horizonte semanal. Por todo o evidente respeito que este dia me merece, quero acreditar que a vida são sete dias por semana. Pois mesmo com designações que se repetem invariavelmente, sei-os diferentes, cada qual com acontecimentos, surpresas, descobertas, sempre novas, sempre entusiasmantes, essas sim capazes de nos motivarem a seguir, a andar sempre para a frente, rumo a mais dias que, afinal, de iguais e entediantes, nada aparentam ter. Quero pensar assim. Vou pensar assim. Bom fim-de-semana.

Nem as mãos

por migalhas, em 06.11.07

Um quarto dos portugueses não lava as mãos.

Seja quando contacta com animais, antes das refeições ou depois de ir à casa de banho.

Antes, depois, tanto faz, não interessa. Para lavar as mãos não há pressa. Não se lavam e pronto!

Pena que, ainda assim, tal não se reflicta numa poupança no anormal e abusivo consumo de água. Ao menos que a falta de asseio alheio desse em algo útil para o ambiente, para a humanidade. Nada disso. Na água não se poupa e nas doenças muito menos. Assim é fácil entender o distanciamento, a atitude “bicho-do-mato” que gera a facção anti-social da população. É que estar entre os demais, implica cumprimentá-los. E sabendo-se da existência de um quarto desses tais que não fazem do asseio coisa comum, como se exige nestas matérias, mais facilmente se entende a repulsa de lhes estar, de lhes ser, próximo.

Se todos os dias me deparo com inúmeras manifestações de falta de respeito, de civismo, de educação, aqui se me apresenta mais uma. Pois se o diabo apresenta múltiplas faces, da mesma forma a instrução humana. Que nojo saber que podemos estar a partilhar das falhas higiénicas de terceiros. Metem-me nojo, seus porcos!

Dependendo de mim, lavo daí as minhas mãos. Disso podem ter a certeza, gente imunda!

Nem belos prados

por migalhas, em 02.11.07

Sou peão incauto neste comum xadrez

Mundo redondo de 4 cantos

Um dia é tudo, tudo de uma só vez

Outros há que morro mudo, intoxicado

Tormentos mil que me sufocam

Outros tantos são desencantos

 

De um lado os fracos e mais uns quantos

Do outro reis, senhores, selvajaria

Iludidos por igual servem-se de bandeja

Crentes na palavra vã que a ninguém deseja

 

Chove forte mas é no molhado

Água cansada que já nada lava

Soterra-se de cimento este belo prado

Precipitado que está o nosso fado

 

Neste papel dúbio de face única

Lê-se nas entrelinhas o que nos está destinado

Velhos guerreiros perdidos na bruma

Um virar de página de coisa nenhuma

 

Querem ser tudo, sabendo-se nada

Só onde não pisam a flor desabrocha

É rir da morte, coisa sem piada

É onda viril, suicida na rocha

 

Não somos de ninguém

Nem da noite eterna

E aquilo que somos

Também não há quem saiba bem

 

Talvez bravos heróis, até que enganados 

Talvez apenas gente, simples, indiferente

 

Ou vultos ignorados

Contornos em esboço

Todos por igual ao esquecimento votados

Arrastam-se penosos, acorrentados

à pesada sombra de quantos se viram derrotados

 

O que fica é a imagem, que vai desfalecendo

Sem forças morrendo, a cada novo momento

Esmorecem os cânticos, outrora entoados

Já nada se vê, nem mesmo os belos prados