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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Esplanada, 33 graus

por migalhas, em 17.05.07

Esplanada neste dia de 33 graus. Jecas e tremoços em barda. Uma sombrinha e uma vista deslumbrante sobre o rio. A manhã vai correr célere e o tempo abrandará lá pela hora de almoço. Assim mesmo, lento. Hora e meia que mais irá parecer uma eternidade. E as jecas a escorrer rumo a um estômago quente, que as acolhe de tripas abertas! Um arroto após outro, entre duas idas ao WC, e eis que voltam à mesa, frescas como viçosas alfaces acabadas de colher pela madrugada. Louras, pretas, ruivas, venham elas que as nossas gargantas sequiosas dão-lhe seguimento. E quando olharmos em redor e tudo virmos a triplicar, sabemos que é hora de pedir uma última, aquela que nos vai deixar definitivamente a dormir!

... encontrando o seu amigo semimorto, logo abaixo do tampo da mesa, procede lentamente à sua reanimação, despejando-lhe lentamente o néctar da vida pelas goelas abaixo. Não mais o abandonaria, pois o seu estado era crítico e precisava de assistência constante, novamente ao interior.

Manda vir mais uma, aquela que o vai recompor. Ele reabre os olhos e vê, acreditando que as suas preces foram ouvidas. Gole após gole sorve com vigor cada gota daquela poção pronta a dar-lhe uma segunda oportunidade.

O néctar da vida que lentamente o revigora. E com esta se vai, definitivamente. Rumo a um coma que o faz pairar cinco centímetros acima do seu próprio estado físico. Sobrevoa a sua presença e olha-a sem surpresa. Sabe que vai para melhor, para a terra da eterna frescura. Não sem antes a sua mão cá fora lançar, para uma última dose de tremoços reclamar.

Jura a si mesmo que será a última vez que se envolverá em tão estranhas andanças. Já o haviam avisado e os sinais da vida não o deveriam ter enganado em tão importante questão. O trabalho é para todos menos para ele. A sua função neste planeta não será só essa. Existem mais altas esferas para girar.

Assim, sim. Vai realizado. Satisfeito por esta sua última bebedeira ter sido com um seu amigo homem. Não deixa mulher, nem filhos, apenas aquela saudade de com os copos vibrar e de muitas garrafas cheias ajudar a esvaziar. Lá vai ele, a caminho da tal luz de que tanto se fala.

Perdeu a razão, talvez. Perdeu o tino que nos faz mortais.

Será que por lá também servem imperiais?

Se não servirem ele já decidiu. Não vai. Ouviu dizer que no paraíso existem mínis, bem como imperiais servidas em copos refrescados. Mas ouvir dizer não é o mesmo que, com toda a certeza, saber. Por isso, na dúvida, trava o seu ritmo, olhando para o que resolvera deixar para trás. Indeciso, relembra que poderia não ser o céu na terra, mas que nunca lhe faltou que beber. Hesita, balança e quando o médico de serviço se prepara para anunciar a hora da sua morte, eis que dá sinal de vida.

Afinal reconsiderou e decidiu-se a uma derradeira viagem por este lado de cá.

Safa! E se não houvesse cerveja por lá?! Mais vale prevenir. É mais seguro por aqui ficar.

        - “Graças a Deus!” - Berrou a enfermeira espavorida e nervosa face à possibilidade de ali o ver finar-se.

        - “Tragam cervejas para todos! Muitas e frescas, que este homem resolveu continuar connosco. Na nossa presença, a apreciar que os dias também podem ser feitos de dois dedos de conversa e uma jecas frescas pelo meio. Haja alegria e, quem sabe, também Casal Garcia“.

O renascer da magia

por migalhas, em 10.05.07

Aquele não era um livro normal. Tinha páginas, é verdade, algumas páginas, era em cartão grosso, tinha bonecos, letras e até um enredo. Por isso, facilmente se podia confundir com qualquer outro livro seu colega. Mas não. Este livro era definitivamente diferente. E porquê? Questionam-se quantos me lêem. Por que para além destas características de todo banais num comum livro, este possuía ainda algo mais que o tornava original. Tinha da capa à sua derradeira página um buraco razoável, por onde se podia entrar e sair da história sempre que se pretendesse. Como assim? Voltam vocês a perguntar. Muito simples: basta meter a mão no buraco e entramos na história, sendo que para dela sair basta retirar a mão do mesmo buraco. Mais simples que isto nem imaginado. Mas se julgam que toda a estranheza deste livro de cartão termina aqui, na sua estrutura física, desenganem-se. Tal vai mais além e intromete-se mesmo no enredo desta história, também ela bastante curiosa. E se olhada assim, inadvertidamente e sem a devida atenção, bem que poderia passar despercebida e facilmente se confundir com uma banal história de um cãozinho que se perde e pelo caminho encontra vários novos amigos que o conduzem de regresso a casa. História simples, sem grandes recursos a artifícios literários, pois que se destina a crianças. Mas nem tudo é o que realmente aparenta e prova disso mesmo é esta história tida como simples. Ou onde é que já se viu um cão de cara suja, por exemplo? Sim, cara. Normal, é um cão possuir focinho. Que até pode estar – e normalmente até está e muito – sujo. Pacífico, até aqui. Mas... cara? Os cães não têm cara! Pelo menos os que conhecemos, do nosso contacto do dia-a-dia. Mas vão lá dizer isso a uma criança, que este cão não tem uma expressão... facial! Se tem! E passeia-a alegremente ao longo das aventuras com que recheia cada página desta sua odisseia. E eu que era capaz de apostar que aquilo era, de facto, um focinho. Um cão com focinho, como todos os outros que até então conhecera. Mas isso foi até ser confrontado com a argumentação daquela pequenita, a dona do livro, que, talvez por isso, o sabia de trás para a frente. Embora não vice-versa, pois aí o enredo mudava de figura e todo um novo mundo de possibilidades se tornava viável, bastando para tal apelar à imaginação que estava muito para além do que era explícito nas páginas do livro. A imaginação fértil de uma criança, para quem quase tudo ainda representava novidade e que lhe servia de matéria-prima para compor os seus próprios desenlaces. Fiquei a saber depois, que todos os livros que possuía eram especiais, diferentes. Em todos eles, mesmo naqueles em que não existia um buraco físico na sua estrutura, facilmente se entrava na história para dela se sair, assim que fosse esse o desejo. Em todos se vivia a magia de cada nova situação, a cada novo virar de página. Mesmo que as figuras se mantivessem e os diálogos fossem sempre os mesmos. Mesmo assim, a história teimava em nunca o ser. Transfigurando-se a cada nova leitura. Passei a ler cada história na sua companhia e a descobrir que não eram necessários muitos livros, apenas imaginação, a fluir livremente. Criatividade para ver para além do óbvio, do imediato. Aprendi tudo isso da forma mais improvável. Ou não tanto assim. Pois é com as criança que podemos aspirar a uma segunda oportunidade. A recuperar o que entretanto perdemos, em todo o nosso processo de crescimento, de nos tornarmos adultos, mais e mais complicados e com cada vez menos tempo e paciência para recorrermos à imaginação que, assim, se acomoda e estagna, se não solicitada. Redescobri o prazer de uma boa história. De muitas e boas histórias, sempre improvisadas, sempre novas. A magia está de volta! E à minha Sara o devo. A ela e aos seus 17 meses de inocência e encanto no seu estado mais puro.  

492

por migalhas, em 04.05.07

Descobri hoje, inadvertidamente, que sou detentor de uma marca que nem sequer imaginava. Falo da soma de todos os dias que já vivi desde o primeiro em que via a luz (e aqui não incluo os equivalentes aos 9 meses de gestação) e que perfazem a inacreditável soma de, pasme-se, 14.760! Isto, mais dia, menos dia, pois o número exacto é sempre difícil de calcular, mais que não seja por que os meses não têm todos o mesmo número de dias. Mas seja de que forma for, 14.760 dias é muito, mas mesmo muito, dia junto. Quem diria que já por cá ando há todos estes dias. E cheguei aqui, a esta curiosa descoberta, por que resolvi que, a partir de hoje, passo a identificar a minha conta pessoal não em termos de anos, mas sim de meses. Dias não, por que dá uma ideia excessivamente exagerada de tempo. Não é que em matéria de meses a coisa “suavize”, digamos assim, mas se é esse o método de contagem correntemente aplicado às crianças pequenas, por que não adoptá-lo às outras, às mais crescidinhas? Não esconde nada e ainda torna a cena mais misteriosa. Pois obriga a uma contabilidade difícil de fazer de cabeça, o que dá mais do que tempo para uma natural desistência e consequente desinteresse por parte da pessoa interessada, mantendo-a assim numa ignorância benéfica. Por tudo isto, a partir desta data passo a afirmar que tenho 492 meses de idade. É verdade, 492! Chiça, que também não soa nada bem. Que se lixe! Se um gajo tem de apresentar um número qualquer, que este seja em formato de meses. E o mais engraçado de tudo isto, embora esta seja uma graça relativa, é que no dia 24 de Novembro próximo perfaço 500 meses de idade! Linda soma, se pensarmos que o Brasil foi descoberto igualmente há 500. Mas esses são outros 500, pois correspondem a anos. O que, à partida, torna impossível qualquer género de confusão. É por todo este conjunto de justificações que acabo, oficialmente, de adoptar este novo sistema numérico de contagem crescente.

- E você? É homem para que idade?  

- 492 Minha senhora, 492.

- Desculpe? Como disse?

- Sim, sim, eu sei que não parece, mas são realmente 492. E a caminho dos 493, que isto a vida é sempre a somar.