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TUDO É ILUSÃO, DESDE O QUE PENSAMOS QUE PODEMOS AO QUE JULGAMOS QUE TEMOS.

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Ainda bem

por migalhas, em 31.01.07

Pensando bem no timing que me colocou do lado de cá – do lado dos vivos, dos que diariamente consomem golfadas de um O2 ainda gratuito e, embora de fraca qualidade em determinados locais, abundante -, dou graças por ter sido quando foi. Com aquela exactidão que me permitiu assistir a factos, objectos, curiosidades, que alguns (poucos) anos depois eram já coisas obsoletas, passado, bizarrias. Para começar, permitiu-me passar por toda a inebriante, e como não haverá outra igual, década de oitenta, com uma idade já capaz de me permitir desfrutá-la, entendê-la, em todo o seu esplendor e fascínio. Ver o nascer e, consequentemente, os primeiros passos de géneros musicais que hoje não passam de uma memória longínqua, ao eclodir do dito rock português, aos primeiros exemplos de computadores, onde incluo o saudoso 48K da Spectrum - em que tentar jogar um jogo do mais básico que se possa conceber era um desafio quase que constante -, à proliferação do vinil, tocado em gira-discos e que depois se podia gravar em fita, numas coisas meio achatadas a que se dava o nome de cassetes de áudio, algumas da marca Sonovox, ver e delirar com os clássicos televisivos de então, hoje alvo de chacota pela sua simplicidade e escassez de meios de produção, ter o primeiro carro apenas com 19 anos e até lá fazer cada viagem de autocarro – em média de 2 horas e meia cada - pois o metro então não chegava a Odivelas, onde morei toda a minha infância/puberdade/adolescência -, ver o aparecimento dos vídeo gravadores e assistir embasbacado ao facto de se poder gravar o que passava na televisão numa fita magnética que depois podia ser reproduzida em aparelhos monstruosos que, ligados aos televisores com cinescópios enormes, os passavam como se pela primeira vez. Foram tempos inesquecíveis e dou graças por eles ter passado, por ter podido vivê-los ao tutano, testemunhá-los e hoje saber o que são certas e determinadas coisas que muitos nem julgam possível alguma vez terem existido. Valeu a pena ter nascido uns aninhos antes, isso valeu. Mesmo tendo aturado um calvário de 15 meses de serviço militar obrigatório! Mesmo assim. Os meus pais bem que tiveram pontaria e a eles agradeço o excelente timing que para mim escolheram. Ainda bem que assim foi. Ainda bem.

Guerra aberta

por migalhas, em 26.01.07
Olho pela janela e através da densa e majestosa neblina observo o conformismo ali acampado. Bem na minha frente, no que julgava ser o meu refúgio. Sem permissão ali se instala, abusando claramente da propriedade que lhe é alheia, pois é minha, privada. Desconfiado da sua presença, atento no espaço que ocupa. Abissal. Reparo que calca a relva, fresca e viçosa, na sua totalidade submetida ao rigor da geada. Ali repousa, com visíveis intenções de ficar para além de umas quantas pernoitas. Acomoda-se, respira fundo a um ritmo compassado, próprio de quem está de bem com a vida. Sabe-se seguro, expõe o seu à vontade e julga-se prepotente face ao que o rodeia. Engana-se. Comigo engana-se. Daqui não levará nada, troco algum. Virar-lhe-ei costas e simplesmente será alvo da minha indiferença. Ignorado, como se não existisse, ali ou em parte alguma do mundo. Fosse mais profunda a colisão de consciências, mais acentuada, e não apenas um pequeno lobby sem espaço definido no xadrez da sociedade, um fogacho de apenas alguns poucos, e sustento algum lhe alimentaria a profusão que mostra de intentos malignos. Lesse-lhe nos olhos cavados e de negro pintados, que é seu destino travar qualquer decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado. Quer-nos anestesiados, cérebros em latência constante, desligados da sua função, a de exercer. A de mostrar actividade contestatária face ao que é tido por estabelecido. Que nos é imposto. O embuste é geral e ele seu comandante. Por isso aqui montou acampamento, pronto para uma guerra mais que eminente. Dependendo de mim, toda a resistência que lhe possa dilacerar os seus maliciosos planos será escassa. Levarei avante uma cruzada, se a isso for obrigado. Pois, embora subjectiva, quando a verdade surgir à luz do dia para defrontar a mentira de milénios, teremos comoções, um espasmo de terramoto, um deslocamento de montes e vales como jamais foi sonhado. Ou a brutal onda de choque que se prevê, resultante do tremendo embate entre titãs. Ainda assim, não descansarei enquanto não vir chegado o dia. O dia em que ressuscitada será a genuína essência do nosso ser, espezinhando um inimigo voraz que a seus pés irá implorar por clemência. Tarde demais. Não fosse a esperança a última a morrer.

Miragens

por migalhas, em 24.01.07

Do topo daquela duna pude avistar com toda a clareza a grandeza de que ouvira vezes sem conta falar. De uma extensão de areia a perder de vista, que facilmente se funde com os tons ocre de um típico céu de fim de tarde. Nem mesmo uma ténue linha a demarcar um horizonte quase sumido tinha o poder de separar aqueles dois quadros, unos num cenário majestoso, gigantesco nas dimensões, nas sensações. Ali permaneci até se desvanecerem surpresa, admiração, submissão. Ali percebi quão grão de areia eu sou, quão poeira cósmica serei e sem pressas me conformei. Nada que não me tivesse já assaltado, mas que ali, presenciado, ganhava novos contornos. De verdadeiro, de existencial, de realidade até então apenas suposição. Um período de habituação e em breve surgiam as primeiras aparições. Vindas do nada, dos tons pastel daquela paleta homogénea, como assombrações que tomavam por seu aquele vasto palco. Como numa bancada de onde gozava de uma privilegiada panorâmica sobre todo aquele cenário pouco habitual às minhas vistas, ali confirmava a existência de vida naquele ambiente quantas vezes inóspito e pouco convidativo à presença humana. Dali de onde me encontrava, mais se assemelhavam a minúsculas formigas atarefadas, conduzindo camelos mínimos e de modos pouco apressados, mas elegantes. Gentes nómadas, envergando turbantes e quilómetros nos pés e pernas cansados, que, aproveitando a proximidade hospitaleira de umas quantas palmeiras robustas, da mesma forma vizinhas de um improvável lago de um azul proibitivo, ali faziam uma pausa na eterna viagem que faziam. Acampavam com a destreza de quem o fez vezes sem conta, ali se preparando para pernoitarem ao abrigo daquela agulha em palheiro. Minutos decorridos e eram já dois, três, quatro, mais do que os supostos, aqueles que ganhavam a lotaria do deserto. Pequenos apontamentos de água potável, ladeados por viçosas palmeiras que lhes moviam um cerco apertado. Como num abraço quase mortal, que lhes garantia a segurança de nunca ficarem sós. Todos ali se acomodavam no que agora mais se assemelhava a um parque de campismo lotado em fim de um qualquer dia de Agosto. O sol deixara o seu protagonismo de longas horas, retirando-se de cena para se ocultar na privacidade das dunas majestosas, até à actuação seguinte. Impossíveis de esquecer, os vermelhos carregados amontoavam-se no horizonte, como um rasto fiel que seguia ligeiramente atrasado o seu rei e senhor, acabado de depor. E eu, atento observador, tudo avistando. Digerindo cada pormenor, devidamente anotado e para sempre arquivado neste meu labirinto cerebral. Mesmo antes da transição, da passagem do testemunho ao breu da noite fria que era agora muito mais que uma certeza, pestanejei e tudo se desvaneceu. As centenas de acampamentos que ali se haviam acumulado, pontuando as finas areias com a sua panóplia de cores garridas, como surgiram assim desapareceram. Tudo se desvaneceu naquele meu ressuscitar do olhar. Tudo à excepção do abissal deserto. Deste outro mundo à parte, de que tantas vezes ouvira falar. Daquela extensão de areia que, mais do que grandiosidade, em si reúne magia e misticismo a perder de vista.     

Mundo de A a Z

por migalhas, em 19.01.07

Vivemos num mundo de A a Z. Para tudo existe termo, designação, rótulo. Tudo é hermético, tem uma função, faz sentido. E se não faz, logo alguém se apressa a sugerir um que reúna o consenso e naturalmente passe a fazer parte dos hábitos do colectivo que somos todos nós. Regras, leis, atitudes correctas, moral e bons costumes. Padrões, esquemas, processos, atitudes, todas em consonância e obedientes a normas previamente estabelecidas, hoje formatas na mente de cada um. Somos o que somos, não o sabemos porquê, muito menos como o somos ou com que finalidade. Caminhamos para um lugar sempre desconhecido, pois ele espreita a cada esquina que dobramos. A cada novo passo dado na insegurança de quem não sabe nem sonha o que o espera. De onde vimos é um mistério, como mistério é para onde nos dirigimos. Atravessamos um longo túnel, onde a única claridade é a que levamos connosco. Aguardam-nos muitas provações, desafios, obstáculos, que só dependem da nossa vontade em os ultrapassar, ou não. Importante é saber que estamos por nossa conta e risco, num jogo em que poucas são as armas de que dispomos que nos permitam jogá-lo. Aqui chegados, já muito do caminho fora desbravado por outros anteriores a nós. Habitantes de um mesmo mundo a que chamaram seu por breves instantes. Hoje cabe-nos a nós avançar um pouco mais, dando continuidade a um legado que também será aquele que iremos deixar aos que nos seguirão. A imagem que me ocorre é a de um extenso tapete rolante onde em fila nos mantemos, levados pelo seu movimento compassado. Findo o tapete, este retoma a origem recolhendo novos nós acabados de gerar. O fim de uns como princípio de outros. Um círculo que se repete indefinidamente e em que pouco muda. Fala-se numa viagem que não acaba realmente ali. Que bem examinados os bolsos, estes nos revelam a surpresa de um bilhete de regresso. Sem data limite ou destino estabelecido, mas que nos conduzirá a novo tapete rolante, não muito diferente do que acabámos de deixar. Somos fruto de um acaso e somos o que somos sem sabermos como ou porquê. Que plano temos nós traçado? Existe uma coisa chamada “destino”? E, se sim, com que faces se apresenta? Serei eu capaz de o reconhecer, chegada a minha hora? Caminho para o fim de mais um dia, sabendo apenas que vivo num mundo de A a Z.  

Em contra-relógio

por migalhas, em 16.01.07

Hoje escrevo em contra-relógio. Limitado a Norte, a Sul a Este e a Oeste pelos ponteiros afiados de um tempo que me corta a possibilidade de ser e estar ao meu jeito. Sempre apertando o cerco, erguendo muros que evitem cada coisa de ser feita com calma e que assim se vê impedida de bem nascer. Fecha-se um novo círculo a cada compasso que marca, apressado. Corremos desenfreados atrás dele e nunca, mas nunca, o iremos alcançar. Sabemo-lo, mas ainda assim iludimo-nos de que é possível. Que ingenuidade! Nem parece de gente crescida. De adultos que tudo dizem saber. Hoje escrevo no pouco tempo de que disponho. Daquele que me é concedido e que resta para o que deveria ser prioritário. Mas não é. Não é mesmo, e disso espero nunca me vir a arrepender. De ter perdido tempo com o que não era essencial e antes ter sido desleixado, descuidado, com o que significava realmente algo mais para mim. Mas não é esta a triste sina de quantos não controlam o tempo? De quantos não conseguem amainar a sua fúria avassaladora, que, querendo, tudo arrasta num corrupio furioso? Sem misericórdia e sempre sem retorno. Escrever em contra-relógio não me agrada. Não conto repeti-lo muitas vezes, pois não me motiva na construção dos meus textos. Sinto-os inacabados, de pontas soltas, a necessitarem de tempo para se aperfeiçoarem. Mas como dizem que é ele que tudo cura, deixo-os fluir assim, apressados. Na esperança de que se regenerem e, mesmo incompletos e imperfeitos no seu todo, possam ser um fugaz reflexo do que fui, do que senti, nestes minutos que me espartilharam a sua criação.   

Folhear realidades

por migalhas, em 12.01.07

Ao folhear aquelas páginas, visivelmente consumidas pelo passar dos anos, detive-me sobre as imagens ali adormecidas. Talvez esquecidas. Mas certamente antigas. A prova estava no preto e branco desgastado com que se associavam às tonalidades amareladas do fundo que as acolhia. Que lhes servia de trono numa presença quase majestosa. Reis e rainhas do seu tempo. De um tempo que tardara em avançar e que hoje é para sempre memória. Majestosa presença, da mesma forma fantasmagórica. Espíritos de tempos idos mas que ali se perpetuam. Nas indumentárias, nas ruas despidas de vícios, nos ambientes despovoados, nos tons que não enganam. Agora é aquele o seu lar, o único espaço onde ainda é possível recordá-las em todo um esplendor que outrora não o era. Ali vivem a permanência de um presente que para nós será apenas possível reviver. Por ali se movem, circulam, como seres eternos que rivalizam com os de hoje. Com os que apenas os observam naquele seu conteúdo amarelado, fruto de um outro tempo que por ali se arrasta, numa teia de vidas, quantas delas vividas à revelia da própria vida. Pedaços de história que ali foram desembocar, numa segunda oportunidade a que se propõem, como forma de remedeio de epílogos menos felizes. Ressuscitados em película, também ela em lenta decomposição. Souvenirs temporais, o que foi ontem, passado que alimenta a gula presente. Viajar a parcelas de um passado desconhecido e que não se pretende desenterrado. Nem sempre é bom lembrar que já dantes o ódio habitava a face da história. Que expunha as garras afiadas e tudo devorava à sua passagem, culpado ou inocente. Sem piedade, apenas com a vontade que lhe é reconhecida, que é sua por mérito. Isso o tempo não curou. Encerrado o livro, ali se fecha mais um capítulo e se entrega a nova clausura cada fantasma que não se quer evadido. Como esta, muitas outras obras devem permanecer fechadas. Repousar longe das vistas, mas mais dos corações. Pois jamais se deve subestimar a condição humana e aquilo de que ela é capaz. Num misto de guerra e paz que se confunde e que consigo arrasta o que ousa cruzar-se no seu caminho. Ou a história repetida da humanidade, sempre sofrida, para sempre esperançada num destino que realmente não pretende, pois nada faz por ele. Disso falam alguns livros, poucos. Mas nesses, as fotografias escasseiam. Pois pouco existe para retratar.

Faz hoje alguma saudade

por migalhas, em 11.01.07

Faz precisamente hoje um ano, submetia-me eu à primeira grande cirurgia da minha vida. Uma intervenção a um menisco que, vim a saber mais tarde, se encontrava num estado algo degradado. Tudo ocorreu algo de repente, depois de um telefonema inesperado, dois dias antes, a exigir a minha imediata entrada no Hospital Ortopédico Dr. José de Almeida, para me sujeitar aos preparativos que iriam anteceder a intervenção. Daí a ver-me na mesa de operações, que mais se assemelhava a uma cama articulada, foi um instante. Aí, depressa percebi que não havia volta a dar à situação. Ainda hoje, um ano passado, não sei ao certo o que me foi subtraído naquela mesma cama, naquele mesmo dia. Afirmaram, quem lá esteve presente, ter sido metade daquela cartilagem desgastada e a necessitar de reforma, o que eu acreditei. Vi-me obrigado a acreditar, pois durante todo o tempo da intervenção nada senti da cintura para baixo. Pouco mais de um mês após ter assistido ao nascimento da nossa Sarita e de ter confirmado a heróica recusa da Ana em recorrer aos apregoados benefícios da epidural, eis que fui eu a levar com ela, obrigatória neste processo cirúrgico a que, voluntariamente, me sujeitei. Alguém na família tinha de experimentar aquela droga. Calhou-me a mim, antes assim. Posso constatar que funciona. Se funciona! Aquilo anestesia mesmo, verdade, verdadinha. Eu que nada senti durante todos os cerca de sessenta minutos que durou a operação, o que, por isso mesmo, me obrigou a estar o tempo todo atento e de olho bem aberto. Pois que esse mexia, embora em luta constante contra uma sonolência, também ela, consequência da malfadada epidural. A verdade é que, um ano passado, o que era suposto ter ficado consertado continua a dar estalos e a fazer-se notado, para meu incómodo. É a eterna asneira de “ir à faca”. Ou talvez não. Pois alertaram-me para o facto de que, com ele naquele estado, não mais poderia correr, saltar ou mesmo praticar desporto. O que, com apenas 39 anos, à época, me pareceu prematuro demais. Por isso fui na conversa. Fiquei melhor, sem dúvida, mas não totalmente como novo. Também não podia, pois agora estava diminuído de uma parcela que, mesmo sendo diminuta, me deixava menos eu. No entanto, voltei a correr, a saltar, a praticar desporto, de tal forma, que estou seriamente a pensar em ir para o Dubai, representar um clube de futebol local e assim conseguir um apreciável pé-de-meia em final de carreira. Se calhar, nem devia falar disto aqui. Sob risco de estar a dar ideias a outros, oportunistas. Mas adiante. Seguiram-se 3 a 4 semanas em casa, a chamada fase de recuperação, período em que, por companhia, tive duas prestáveis e incansáveis canadianas, uma prestável e incansável portuguesa, mãe há pouco mais de um mês, e a mais recente das quatro, a filha. Portuguesa de gema, ainda em fase de reconhecimento por estas paragens. Foi engraçado. Faz agora um ano. E mesmo tendo feito alguma mossa, faz também alguma saudade.

Passado VS Futuro

por migalhas, em 10.01.07

Só para atestar a velocidade a que se move o progresso, aqui fica a lembrança de que foi precisamente no dia de hoje, mas em 1949, que foram lançados os primeiros discos em vinil, nomeadamente pelas editoras RCA e Columbia. Há pouco mais de 50 anos. Ou deveria dizer, apenas há 50 anos atrás? Hoje o vinil já passou à história e comenta-se que o mesmo destino está já nos horizontes do actual CD. O que progredimos em apenas meio século. Parece incrível. Veja-se o flagrante caso do espectacular iPhone, da Apple, ontem apresentado ao mundo pelo genial Steve Jobs. O futuro está aí. Preparem-se.

Para lá do visível

por migalhas, em 09.01.07

É curioso pensar na quantidade interminável de regras que nos espartilham a existência. Tudo o que fazemos obedece a algo previamente estipulado. Assusta pensar que somos como marionetas que, sem darmos conta, nos movemos ao sabor de sinais, de imagens, de ícones que nos estimulam o cérebro para uma resposta pré-programada, dentro dos cânones que as mesmas representam. Imaginar que somos controlados em cada gesto que julgamos nosso, em cada passo que pensávamos genuíno. Alguém move os cordelinhos e conduz-nos por um labirinto a que chamamos de vida. Por que percorremos uma rua tão vasta e apenas atravessamos de um passeio para o outro naquela zona específica em que alguém pintou umas riscas brancas? Ou onde existem umas luzes em que a verde – e porquê a designação de verde? Não poderia luz verde, designar-se por presa afiada? – significa ANDA e a vermelha PÁRA? Tudo nos é incutido neste chip, neste disco duro que conhecemos por cérebro e que vai sendo constantemente programado a obedecer, sem nunca questionar o que é assim, pela simples razão de que sempre assim foi. Andamos em rebanho, a reboque do que foi sendo instituído sabe-se lá por quem e com que propósito. Talvez o de nos manter a todos de trela curta, presos de movimentos, confinados a um espaço que assumimos como o nosso espaço e que aprendemos a respeitá-lo assim, apenas porque sim. Vivemos delimitados por uma linha imaginária que nos é proposta dia a dia e que não ousamos sequer pisar, muito menos nos atrevemos a atravessar. Por medo, por ignorância, o eterno receio do desconhecido, do que pode estar para lá do pano e que nos serve de cenário aos papéis continuados que protagonizamos. A nossa existência é uma conspiração global de que apenas alguns têm noção. Uma complexa trama que nos tem a nós como alvo, peças de xadrez num jogo perdido à partida. Por que têm as coisas os nomes que têm? Por que usamos determinados objectos para uma função e não para outras? Por que procedemos de uma forma e não de outra? Por que seguimos por aqui e não experimentamos alternar por ali? Quem nos garante que assim é que é? Que o que fazemos é que é o correcto? Só por que a maioria assim procede? Só por que aprendemos dos nossos antepassados, num legado que nos é transmitido, que são estas as correctas regras de conduta de vida por que temos de reger a nossa? Ou será que o comodismo se apossou definitivamente de cada um de nós e hoje deixamos as coisas correr ao seu sabor, ao seu ritmo estipulado, apenas por que não nos queremos incomodar em contestar seja o que for? Ver mais além é preciso. É urgente uma tomada geral de consciência. Acordar para uma outra realidade, paralela a esta, e olhar para lá dos horizontes actuais. Observar atentamente para além do que é visível e cuja função parece ser a de obstruir-nos uma visão mais ampla, mais alargada do que tudo é efectivamente. Perceber que por detrás desta fina camada que nos rodeia, e a que chamamos de realidade, existe todo um novo mundo por descobrir. Só usamos uma ínfima parcela do nosso cérebro. E se estivermos a fazer o mesmo com tudo aquilo que nos rodeia? Dá que pensar.

Folhas de Outono

por migalhas, em 08.01.07

Eu hoje vi alguém que varria do chão as folhas de Outono.

Mas hoje nem é Outono.

É Inverno, frio Inverno.

Mas eu sei que vi, eu sei o que vi, e era alguém que do chão as varria.

As folhas de Outono.

Como se isso o fizesse esquecer.

Como se varrê-las servisse de algum consolo.

Ele partiu e para trás deixou apenas a sua assinatura tardia.

Folhas de Outono pelo chão dispersas.

Folhas que alguém varria e reunia em montículos.

Montículos que apenas por instantes se mantinham, logo desfeitos pelo vento invernal. Frio, insensível, corrosivo.

Eu hoje vi alguém que varria do chão as folhas de Outono.

Para quê? Questionei-me.

De que servia tentar juntá-las, se eram em separado que se completavam?

Viveram sós, não viveram? Então sós morrerão. Como todos nós.

Como aquele alguém que as recolhia.

As folhas castanhas e secas de um Outono passado.

Que eu hoje vi, no asfalto recordado.

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